Do nuclear à afirmação e à credibilidade da Europa

A declaração conjunta sobre a prevenção de guerras nucleares, emitida nesta semana pelos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU, é um bom começo do novo ano. É a primeira vez que a China, os Estados Unidos, a França, o Reino Unido e a Rússia se comprometem a evitar um conflito nuclear entre eles, reconhecendo sem ambiguidades que uma confrontação desse tipo não tem vencedores e, por isso, não deve ocorrer. Afirmam, igualmente, que o seu armamento nuclear tem apenas fins dissuasivos e que continuarão a negociar para pôr fim à competição entre eles, no que respeita a esse tipo de armas. E fixam, como objetivo a prazo, conseguir o desarmamento nuclear.

Numa altura em que existem rivalidades muito sérias entre alguns desses países, que valor se pode dar a uma declaração assim? É fácil responder com ceticismo, face à presente conjuntura internacional, que inclui tensões muito graves à volta, entre outros casos, da Ucrânia e de Taiwan. E que regista um acréscimo enorme dos gastos e da inovação militares, por parte dos três grandes: China, Estados Unidos e Rússia. Mais ainda, que conhece, ao nível global, um período de incertezas sem precedentes para as gerações atuais, com riscos e perigos que podem desestruturar profundamente o frágil ordenamento político e económico mundial.

É melhor, no entanto, neste início de ano, assumir uma visão otimista e sublinhar o lado positivo da declaração. O acordo sobre o perigo nuclear poderá querer dizer que existe a compreensão, o realismo, ao nível dos líderes das grandes potências, que prosseguir na via do confronto acarretará custos enormes para todos. Na realidade, um conflito armado entre alguns desses países seria uma catástrofe de proporções inimagináveis, tendo em conta a capacidade de destruição existente. Entre colossos não existem pequenas guerras controladas. Se soasse um primeiro tiro, seria sempre uma grande guerra.

Num cenário de crises complexas como o presente, 2022 tem de ser um ano de diálogo e de reforço da cooperação internacional, nas áreas mais promissoras. É isso que se exige a quem mais manda neste mundo.

As negociações que começarão na próxima semana, em Genebra e em Bruxelas, entre a Rússia, os EUA e a NATO não oferecem, à partida, grandes esperanças. Mesmo assim são importantes. Várias décadas de trabalho na cena internacional ensinaram-me que a maioria das negociações começa com expectativas muito baixas. Com o tempo, podem transformar-se em exercícios positivos. Para obter resultados, é preciso ser-se paciente e perseverante. E manter o contacto ao mais alto nível e o foco no que é essencial.

As instituições europeias queixam-se por não estarem incluídas nas conversações com a Rússia. Sobretudo porque a discussão será sobre a segurança e a estabilidade na Europa. Também porque muitos na UE consideram a normalização do relacionamento com a Rússia como uma prioridade mutuamente vantajosa.

Acho um erro que o presidente Biden não tenha insistido na participação europeia. Ele sabe que o enfraquecimento da União Europeia é uma das maquinações estratégicas do líder russo. Putin quer uma Europa tão fragmentada quanto possível. Marcou agora um ponto importante.

Não chega dizer-se que 21 dos 27 membros da UE são igualmente membros da NATO e que por isso a Europa está bem representada. Aqui não pode haver ilusões: quem define a política russa da NATO são os EUA e alguns estados do Leste Europeu. Também não é argumento que pese referir que a UE não tem uma posição comum em relação à Rússia. A preparação de negociações deste tipo seria um momento catalisador para fazer avançar a definição do posicionamento europeu.

Ainda é possível emendar o erro. Os ministros dos Negócios Estrangeiros da NATO estão hoje reunidos por videoconferência para discutir o dossiê. Seria oportuno que vários de entre eles levantassem a questão do envolvimento da UE. E que continuassem a fazê-lo nos próximos dias. A afirmação e a credibilidade do projeto europeu sairiam assim reforçadas.

Conselheiro em segurança internacional. Ex-secretário-geral-adjunto da ONU

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