Diálogo, para que te quero

Publicado a
Atualizado a

Num mundo global, em ritmo de aceleração social, não resisto a identificar duas das tendências pós-pandemia que considero as mais marcantes do ponto de vista social: a vertiginosa transição digital, com tudo o que esta nos traz de bom, designadamente a possibilidade de reunirmos por via virtual em qualquer ponto do planeta, optimizando recursos e quiçá incrementando a nossa produtividade, permitindo-nos ter mais tempo para o que realmente importa (família e amigos) e o que designo como progressiva desumanização da sociedade.

Importará considerar que uma sociedade mais desumana é necessariamente mais injusta, mais fria e certamente mais exposta a este tipo de conflitos que por ora assistimos. O mundo terá pois, de encontrar novas formas de obter um equilíbrio entre o humano e a máquina, tal qual fez com os resquícios da revolução industrial.

É neste contexto que se insere e se impõe na agenda a necessidade do diálogo religioso, constituindo uma lufada de ar fresco e uma boa nova a realização do primeiro fórum global do Centro Internacional Rei Abdullah Bin Abdulaziz parao Diálogo Inter-religioso e Intercultural, commumente conhecido pelo seu acrónimo KAICIID.

Não me recordo de ver tantos e tão diversos líderes religiosos em Portugal. Neste encontro, em conjunto com decisores políticos, organizações internacionais e representantes da sociedade civil sentaram-se à mesa para sair do plano das intenções e avançar para ações concretas, na construção de uma sociedade mais justa, plural e inclusiva, na qual a paz seja o seu sustentáculo.

Confesso que é um orgulho para nós, enquanto Portugueses que o centro para o diálogo Kaiciid tenha transferido a sua sede para cá, na medida em que tal reconhece e simboliza que Portugal tem um clima ímpar de sã confluência entre as religiões fruto quer de uma lei da liberdade religiosa muito avançada no seu tempo e criativa, mas também do espírito do nosso povo, que sempre soube acolher tão bem, sabendo conviver na diversidade e não alimentando os habituais estereótipos.

Este momento é particularmente auspicioso, se considerarmos a mensagem do Imam do Santuário de Meca que nos diz que o Islão é a religião da Compaixão e que tal deve ser um exercício diário e não apenas teórico e que o diálogo incita à construção de alianças, unificando a diversidade e assumindo o compromisso de cumprir com os valores humanitários consolidando o direito de elevar a dignidade humana. Por outro lado, não é despicienda a feliz circunstância de termos entre nós, como Embaixador de Sua Majestade, o Guardião das Duas Mesquitas Sagradas, S.A.R O Principe Saud Bin AbdulMohsen Bin AbdulAziz Al Saud.

Diz-nos Deus no Sagrado Alcorão que: Ó gente! Em verdade, formámo-vos de um varão e de uma fêmea e fizemo-vos nações e tribos, para que se conheçam uns aos outros. O mais honrado entre vocês é o mais piedoso […] 

Alcorão Sagrado (Capítulo “Os Aposentos” 49:13)

Numa sociedade em que o descaso generalizado sob as religiões e a ignorância e a iliteracia religiosa são abundantes infelizmente, deixo também aqui o meu contributo, três grandes ingredientes para um saudável diálogo, realizado em conjunto com o Pedro Gil, um irmão amigo e ex-colega de programa de rádio católico a quem rendo homenagem:

i) o Diálogo só se constrói na verdade 

Cada um de nós deve pois, assumir a sua identidade, com honestidade e ter a coragem de falar das divergências e temas difíceis, assegurado o respeito pelo próximo e numa linguagem que não só a minha fé compreenda e tentando numa perspectiva construtiva resgatar os melhores argumentos do próximo e não os piores;

ii) o propósito do diálogo é o próprio diálogo e não o consenso

É errado apesar de tentador, pensar que o propósito é concordarmos em tudo, forçando uma igualdade inexistente. Desfocar convicções pessoais, só para agradar seria trair a própria fé. O melhor resultado de uma conversa não é a aproximação das ideias mas a aproximação das pessoas. 

iii) a empatia e a amizade é meio caminho para a compreensão 

este é o motor turbo do diálogo, pois estimula que sejamos capazes de ouvir realmente o próximo e entender o seu ponto de vista. Não raras vezes entendemos que a clareza é incompatível com a delicadeza. É frequente o erro de pensar que a defesa da verdade é tanto mais honrada quanto mais irritada e gritada for. Seria errado e, até, contraproducente. A verdade é como uma pedra preciosa: fascina quando a deixamos delicadamente na mão do outro, mas pode ferir, e ferir gravemente, se lha atirarmos à cara.

A grande verdade é esta: se não soubermos ser capazes de dialogar sobre religião, acabaremos por guerrear por causa da religião. Que sejamos capazes de dialogar e construir um mundo melhor.

Khalid Sacoor D. Jamal é Senior Advisor da Comunidade Islâmica de Lisboa e membro do Observatório do Mundo Islâmico e integra o painel do programa Que Mundo Meu Deus, na TSF.

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt