Dia de Putin ou da Europa
A invasão russa da Ucrânia fez mais pelo reconhecimento da importância da União Europeia que dezenas de discursos, teorias e alterações dos Tratados. Tal como a crise financeira e a pandemia. Por mais que se critiquem algumas das soluções impostas pelos credores e pela troika, ou os atrasos na distribuição das vacinas, estar na Europa não foi a causa do problema nem foi o que dificultou a solução. Pelo contrário. Agora, de novo, o valor da Europa é manifesto. Desta vez, em primeiro lugar, para os ucranianos. Mas para os restantes europeus também.
As raízes da invasão russa da Ucrânia, incluindo a ocupação da Crimeia e o apoio às "repúblicas separatistas", encontram-se na trajectória ucraniana de aproximação ao Ocidente, que tanto inclui a NATO como a União Europeia. É esse processo que Putin não tolera. Não porque seja uma ameaça à Rússia, mas porque é uma ameaça ao seu regime. Um vizinho democrático, livre, com uma economia de mercado e ocidentalizado preocupa-o muito mais do que mísseis da NATO que, de resto, já estão apontados a Moscovo há muito e ninguém pretende disparar.
Vladimir Putin tentará que este 9 de Maio fique para a História como um dia de nova vitória e exibição de poder russo. Sobre a Ucrânia. Os dirigentes europeus têm a oportunidade, e o dever, de fazer com que este ano o dia da Europa seja sobre os valores fundamentais da União Europeia: a democracia, a liberdade e a paz. Exactamente aquilo por que os ucranianos lutam.
No fim da semana passada, três ex-dirigentes dos Verdes franceses explicaram isso mesmo. A Europa e os seus valores são o património comum de partidos que, tradicionalmente, mesmo confrontando-se nas políticas concordam no fundamental, dos verdes e socialistas aos republicanos e democrata-cristãos. E Mélenchon, tal como Le Pen, de resto, não faz parte desse consenso. Por isso Jean-Paul Besset (ex-comunista revolucionário),José Bové (o agricultor que invadiu a tractor um McDonalds) e Daniel Cohn-Bendit (o líder do Maio de 68) consideraram uma desonra e uma traição a aliança firmada entre Verdes e o partido de Jean-Luc Mélenchon para as legislativas de Junho, que não faz qualquer menção à Ucrânia e refere a possibilidade de violar as regras europeias em nome do que resolvam considerar interesse nacional.
Quando era necessário, e possível, explicar a importância da Europa pela sua atração, a maioria dos deputados ao Parlamento Europeu e Emmanuel Macron resolveram despender energias a propor listas transeuropeias.
A composição da Comissão Europeia é sempre uma coligação imposta, que neste mandato vai dos verdes bálticos aos conservadores polacos. No Parlamento Europeu, as decisões são normalmente tomadas por enormes maiorias que atravessam os maiores partidos, fruto de longos exercícios de compromisso. A política europeia é maçadora precisamente por ser mais consensual que confrontacional.
Com listas transeuropeias, mesmo que o cabeça de lista do partido vencedor (na eleição transeuropeia ou o que tivesse o maior número de deputados no Parlamento Europeu?) viesse a presidir à Comissão Europeia, os restantes comissários seriam enviados pelos governos nacionais, nunca seriam escolhidos assim, pelo que a legitimidade eleitoral é um falso argumento. E, se fossem, ainda pior. Então passava a haver, na União Europeia, governo e oposição, em vez de propensão para o consenso.
A União Europeia é uma criação dos Estados. Tirando para quem acha que deve ser a sua substituição, é uma escolha livre e uma construção frágil porque facilmente reversível. Tudo o que sirva para a tornar menos consensual e mais susceptível das lógicas de confronto político-partidárias enfraquece-a. E é desnecessário, precisamente quando o valor da Europa é tão evidente.
Consultor em assuntos europeus