Dez anos depois da proclamação do “Estado Islâmico”
Há dez anos, a 29 de junho de 2014, na mesquita histórica de al-Nouri no Iraque, Abu Bakr al-Baghdadi proclamava o nascimento do “Estado Islâmico” declarando-se como líder supremo do grupo. Criado inicialmente como um ramo da al-Qaeda, tomando a designação de “al-Qaeda no Iraque”, tornou-se independente em 2014 depois da mudança de nome para ISIS (Estado Islâmico do Iraque e da Síria). Desde então, o ISIS (ou Daesh, em árabe) controlou uma extensa área territorial na região síria-iraquiana que, no seu auge, chegou a representar uma área superior a Portugal continental. Em 2017, as forças aliadas tomaram as cidades de Mossul e Raqqa e, em 2019, recuperaram Baghouz, a última localidade controlada pelos terroristas, terminando aqui o controlo territorial do grupo.
A emergência do Califado, motivada por um conjunto de razões históricas, políticas e securitárias, deu origem a uma década pautada pela destruição (sobretudo na região ocupada), pelo terror generalizado - com a perpetração de ataques terroristas em todo o mundo - e pela violência extrema que incluiu decapitações de civis, jornalistas, soldados iraquianos, raptos e a tortura de milhares de mulheres e crianças da minoria iraquiana Yazidi. Esta brutalidade foi amplificada por um aparelho propagandístico sofisticado que não só permitiu a rápida difusão da doutrina fundamentalista como também o recrutamento de novos combatentes.
Em 2024, qual o estado atual do Daesh? Destacam-se quatro principais aspetos:
1. Enfraquecido, mas operacional através de afiliados - A destruição territorial do Califado e as sucessivas mortes dos seus líderes enfraqueceram significativamente a capacidade operacional do Daesh, mas o grupo tem procurado resistir através da criação de grupos afiliados em diversas áreas geográficas. Considerando dados de 2022, estima-se que existam 19 grupos afiliados, como ilustra o ISIS-K (Estado Islâmico da Província de Khorasan), descrito como o ramo mais perigoso e melhor preparado para conduzir ataques fora da sua zona de atuação tradicional (Afeganistão e Paquistão). Aliás, o ISIS-K tem procurado estender as suas operações, tendo já perpetrado ataques no Irão, Turquia ou Europa. O Daesh continua a ser o grupo terrorista mais mortífero a nível global.
2. Reposicionamento estratégico - A derrota do Daesh na região síria-iraquiana levou ao seu reposicionamento estratégico, do Médio Oriente para África, sendo este o novo epicentro do terrorismo no qual procura consolidar poder. A zona do Sahel tem sido a mais fustigada pela violência, cuja situação é agravada pela persistência de condições socioeconómicas precárias, bem como pela atuação dos mercenários russos do grupo Wagner (entretanto renomeado para “Africa Corps”; um nome que lembra a força expedicionária nazi “Afrika Corps”).
3. A Europa permanece como um alvo - O terrorismo continua a representar uma ameaça significativa aos Estados-membros, com prevalência do terrorismo jihadista. Após os ataques do Hamas em Israel (7 outubro 2023) e do ISIS-K em Moscovo (22 março 2024), as autoridades europeias detiveram vários indivíduos e frustraram diversos planos terroristas em solo europeu na sua maioria de natureza islamista. Entre outros desafios, como o crescimento da extrema-direita e o retorno de combatentes terroristas estrangeiros à Europa, é a ameaça colocada pelos atores solitários (indivíduos que operam de forma isolada, sem vínculo estabelecido a um grupo terrorista) que tem suscitado maior preocupação. Note-se que a maioria dos ataques na UE é perpetrada por estes indivíduos, tendo sido identificados pelos Estados-membros como uma “grande ameaça” em 2019.
4. Exploração de conflitos (Ucrânia e Gaza) - Os conflitos na Ucrânia e em Gaza têm sido explorados para efeitos de propaganda e recrutamento. No caso da guerra na Ucrânia, os grupos jihadistas têm apelado à participação no conflito como forma de obter experiência de combate. No caso do conflito em Gaza, os grupos islamistas têm apelado à perpetração de ataques contra civis, alvos ocidentais e judaicos, mas existem diferentes respostas e posições doutrinárias perante o conflito israelo-palestiano. Por exemplo, enquanto grupos como os Talibã e a al-Qaeda declararam rapidamente solidariedade com a Palestina, apelando à jihad contra Israel, o ISIS teve uma resposta mais demorada e ambígua, pautada por diversas contradições.
Se, por um lado, o ISIS tem criticado o Hamas pela sua agenda nacionalista e apoio ao Irão, por outro lado também tem apelado à luta contra Israel. A destruição de Israel foi proclamada pelo ISIS através do lançamento da “Operação Luta contra os Judeus”. Aliás, circulam no meio digital diversos vídeos de combatentes do Daesh em apoio a Gaza, proclamando lutar contra cristãos e judeus. Note-se que, no rescaldo do 7/10, o Primeiro-Ministro israelita declarou que o “Hamas é o ISIS”, equiparando os dois grupos. Apesar da ambiguidade, a estratégia central do ISIS permanece inalterada, procurando explorar os conflitos, o caos e a violência em nome da edificação de um Califado global.
Dez anos depois da sua emergência, o Daesh continua a representar uma ameaça global, tendo uma capacidade operacional significativa. Não obstante, é importante ser prudente na avaliação do risco: a ameaça terrorista é abrangente, não se restringido ao jihadismo. Existem outros extremismos - de vários quadrantes ideológicos - que têm conhecido uma trajetória crescente no plano europeu e internacional. Além disso, como nota final, importa também não esquecer os esforços contraterroristas dos Estados e organizações internacionais ao longo desta década. O trabalho da Coligação Global contra o Daesh e da Operação Inherent Resolve (CJTF-OIR), coligações internacionais que também celebram 10 anos no âmbito do combate ao grupo, são ilustrativos. O contínuo esforço coletivo permanece como a chave mestra para proteger, prevenir e mitigar vulnerabilidades no âmbito da ameaça terrorista.