Deus pode ajudar, mas as mudanças dependem da ação
A respeito das pessoas que pensam em cometer (ou já cometeram) comportamentos sexualmente abusivos contra crianças e jovens, importa salientar que, sem a devida ajuda especializada, a probabilidade de os virem a cometer (ou de reincidirem) é muito significativa. Isto é particularmente importante com pessoas que lidam, no seu quotidiano, com crianças e adolescentes.
No contexto da Igreja Católica, é reconhecida a dimensão espiritual do perdão, mesmo para quem tenha cometido erros muito graves, como a violência sexual. Acredita-se na possibilidade de mudança e crescimento pessoal e espiritual, independentemente do que possa ter ocorrido no passado. No entanto, é fundamental diferenciar esta perspetiva de fé da necessidade de intervenções técnicas e especializadas para lidar com estas problemáticas.
Em termos de prognóstico, sabemos que este será mais positivo quando quem comete comportamentos abusivos os consegue reconhecer e assumir a total responsabilidade pelos mesmos, experienciando um genuíno arrependimento. No entanto, sabemos também que este reconhecimento, mesmo quando acompanhado de uma vontade em cessar os comportamentos abusivos, raramente basta para evitar a sua repetição. Trata-se de um problema complexo e técnico, relacionado com um comportamento desviante, que, muitas vezes, é vivido de forma compulsiva e difícil de controlar.
Reconhecer, assumir a responsabilidade e sentir arrependimento é importante. Para quem professa a fé católica, pedir e receber o perdão da Igreja pode ser uma etapa importante no seu percurso espiritual. Mas não chega. A abordagem técnica e científica deixa claro que esta é uma problemática que não se coaduna com a ideia de milagre. As pessoas não cessam os seus comportamentos abusivos apenas porque sentem que Deus está ao seu lado e os ajuda e protege.
Neste contexto, a investigação sobre esta problemática tem demonstrado, de forma clara, que, sem uma intervenção psicoterapêutica especializada e duradoura, aliando os saberes da Psiquiatria e da Psicologia, a probabilidade de recidiva é muito mais elevada.
E quando falamos de intervenção, não falamos em desculpabilizar ou desresponsabilizar, mas sim em ajudar cada indivíduo a conseguir controlar (e não curar) os seus comportamentos, o que acaba por ser - indiscutivelmente - uma oportunidade de mudança para quem se envolveu neste tipo de comportamentos, prevenindo futuras situações de vitimização.
Em Portugal é inexistente uma rede nacional de serviços e profissionais que possam assegurar uma intervenção especializada para vítimas de violência sexual. A par desta necessidade, que é premente, é igualmente importante pensar numa resposta técnica e estruturada para quem pensa em cometer ou já cometeu comportamentos sexualmente agressivos, sem que isso seja confundido com perdão ou absolvição de responsabilidade.
Psicóloga clínica e forense, terapeuta familiar e de casal