Desafios nacionais ou sintomas europeus?
Nos últimos dias, a Comissão Europeia apontou cinco exigências para Portugal: aumentar o investimento em Defesa, acelerar a execução do PRR, combater a burocracia, eliminar os subsídios aos combustíveis fósseis e assegurar a sustentabilidade do SNS. Por cá, leu-se o gesto como quem sente o cerco a apertar. Mas talvez o mais surpreendente não esteja nas prioridades escolhidas - todas legítimas e relevantes -, mas no facto de parecerem traçadas à medida de quase todos os Estados-membros. Portugal foi o destinatário, mas não é o único retratado.
De facto, cada uma destas recomendações ecoa desafios sentidos em muitas capitais europeias. O reforço da Defesa não é só um pedido de Bruxelas a Lisboa; é um imperativo geopolítico que atravessa o continente, particularmente desde a invasão da Ucrânia. A Alemanha reverteu décadas de hesitação, a Suécia entrou para a NATO, a Finlândia acelerou o seu rearmamento e a generalidade dos países ainda investe em Defesa menos de 1% do PIB. A recomendação é, claramente, pan-europeia, por necessidade.
A lentidão na execução do PRR, por sua vez, não é um exclusivo português. A complexidade administrativa, a escassez de técnicos qualificados e a dificuldade em articular projetos com impacto estruturante têm travado a aplicação do plano em vários países. Portugal está atrasado, é certo. Mas falha em boa companhia: Espanha, Itália ou Bélgica partilham índices de execução que não impressionam.
Quanto à burocracia, é quase um desporto nacional nas instituições europeias queixarem-se dela, quer seja nos próprios serviços, quer nos Estados-membros. A diferença está, muitas vezes, na coragem política para atacar o problema. E aqui, talvez Portugal esteja de facto abaixo da média, pelo que deve arrepiar caminho.
Eliminar os subsídios aos combustíveis fósseis é mais uma recomendação que soa familiar. A Agência Internacional de Energia tem feito esse apelo sistematicamente. O Parlamento Europeu já aprovou várias resoluções nesse sentido. A verdade é que os subsídios permanecem ativos em vários países, muitas vezes justificados com a proteção social. Portugal não é caso único.
E por fim, a sustentabilidade do Serviço Nacional de Saúde. Um tema que, provoca inquietação em vários Estados europeus. Em França, os hospitais lutam com falta de pessoal. Na Alemanha, discute-se a eficiência do sistema. Em Itália, o subfinanciamento crónico é tema de debate constante. O SNS português tem problemas sérios, mas está longe de ser o único a pedir cuidados intensivos.
Há, portanto, duas formas de ler as recomendações da Comissão. A primeira, defensiva, vê nelas um puxão de orelhas a um aluno distraído. A segunda, mais lúcida, reconhece que Portugal é um espelho ampliado de problemas europeus. A questão não é se os alertas são justos, porque o são, de facto. A questão é saber se, ao apontar o dedo, Bruxelas está preparada para liderar o esforço de transformação estrutural que estes desafios exigem. Porque se há cerco, ele é europeu. E nós temos de fazer a nossa parte.
Professor catedrático