Desafios do coração

As doenças do coração estão a tornar-se cada vez mais frequentes em todo o mundo. Os desafios que colocam não são poucos e, para lhes fazer frente, as mudanças já estão a acontecer e a revolucionar a prevenção e os tratamentos. Saiba quais são.
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O aumento de pessoas que sofrem de problemas cardiovasculares – enfartes, acidentes vasculares cerebrais (AVC), arritmias e insuficiência cardíaca – é preocupante e os contributos para esta tendência são bem conhecidos. Consumimos mais alimentos processados, ricos em sal, açúcar e gorduras saturadas. Somos mais sedentários, o que diminui a nossa massa muscular, a resistência física e psíquica, dificultando o metabolismo. Nesta equação, entra também, o stress crónico que pode ter um impacto negativo direto na saúde do coração e, potencialmente, tem a capacidade de iniciar um processo inflamatório no sistema cardiovascular.

O tabagismo e alcoolismo também pesam nos estilos de vida e, por fim, temos uma população cada vez mais envelhecida. Atualmente, a idade média da população ultrapassa os 84 anos. Vivemos mais tempo e, com o envelhecimento, aumenta o risco de desenvolver doenças cardíacas, sobretudo a insuficiência cardíaca.

Claro que ter uma doença do coração pode ter impacto na qualidade de vida do doente. Limitações nas atividades diárias, a dificuldade em realizar tarefas simples como caminhar, subir escadas, vestir-se ou tomar banho, devido à falta de ar, fadiga ou dor no peito. Isto pode levar a uma dependência maior de terceiros e limitações na vida diária.

Muitos doentes experimentam uma diminuição na qualidade do sono, sendo que as restrições alimentares associadas e a quantidade de medicamentos mexem também com a dinâmica diária. Sem descuidar o impacto emocional e psicológico que as doenças em geral têm associadas, como a ansiedade e a depressão, as alterações de humor, mas também a diminuição da autoestima e a imagem corporal, já que as alterações físicas, as cicatrizes de cirurgias ou a perceção de fragilidade podem impactar a forma como o doente se vê a si próprio. Também é muito relevante o impacto social e relacional que os doentes sofrem: o isolamento social, o impacto nas relações familiares e interpessoais, a dificuldade de adesão à vida laboral normal e, não menos importante, a incapacidade física e psíquica de praticar os nossos hobbies, tão importantes na nossa qualidade de vida, levam à perda de fontes de prazer e distração.

Conseguir minorar o compromisso de todas estas dimensões, promovendo a qualidade de vida e a saúde é o objetivo do tratamento das doenças cardiovasculares. Embora tenha evoluído muito, o tratamento ainda enfrenta uma série de desafios complexos que vão desde a adesão do doente até à aplicação das mais recentes inovações tecnológicas. É necessário garantir que se toma a medicação prescrita de forma consistente e pelo tempo necessário. Outro desafio presente é a necessidade de manter hábitos saudáveis, ajudando os doentes a manter as mudanças no estilo de vida, da dieta ao exercício físico regular, da cessação tabágica à moderação no consumo de álcool. Este compromisso é extremamente difícil. Mas também há muitas conquistas a celebrar, porque hoje temos técnicas de cirurgia cardíaca cada vez menos invasivas e a inovação e a diferenciação da resposta híbrida ao serviço dos doentes.

A cirurgia cardíaca minimamente invasiva oferece uma alternativa à cardíaca tradicional, com benefícios significativos em termos de recuperação e qualidade de vida. As incisões de tamanho reduzido resultam em menos dor no período pós-operatório, menor perda de sangue e menor risco de infeções. Com tudo isto, os doentes tendem a recuperar mais rapidamente, com menor tempo de internamento hospitalar e um retorno mais célere a casa e às suas atividades diárias. As cicatrizes também são menos visíveis, melhorando o resultado estético.

Além disso, a maior precisão da técnica minimamente invasiva permite um controlo mais eficaz dos vasos sanguíneos, diminuindo o risco de hemorragias e uma menor agressão à caixa torácica, preservando a capacidade dos pulmões e reduzindo o risco de complicações pulmonares. A estes benefícios, junta-se a menor manipulação do tecido cardíaco, que reduz o risco de arritmias pós-operatórias.

 Se a cirurgia minimamente invasiva, só por si, tem vantagens, quando a associamos ao tratamento híbrido abrem-se ainda mais benefícios para o doente. Basicamente, o tratamento híbrido envolve a colaboração e a atuação conjunta de diferentes especialistas, como cirurgiões cardíacos e cardiologistas intervencionistas, chamados de “hemodinamistas”.

Isto acontece frequentemente numa sala híbrida, que é um bloco operatório avançado, equipado com tecnologia de imagem de alta resolução, como a angiografia e a tomografia em tempo real, o que permite que os cirurgiões realizem a parte cirúrgica e os intervencionistas realizem os procedimentos por cateter, tudo no mesmo ambiente ou num curto espaço de tempo.

O tratamento híbrido tem como pilar principal otimizar os resultados para o doente, especialmente em casos mais complexos ou de alto risco, para os quais uma única abordagem – só cirurgia ou só cateterismo – não seria a ideal ou teria resultados menos favoráveis. Permite minimizar os riscos, personalizar o tratamento de cada doente, abordar múltiplos problemas simultaneamente ou sequencialmente - e, ainda, otimizar resultados a longo prazo. Tudo isto com a vantagem associada de acelerar a recuperação mesmo nos casos mais complexos.

Continuam a ser dados passos significativos na melhoria da resposta aos doentes cardíacos. Sem dúvida que, no futuro, a prevenção das doenças terá um papel crucial, a chamada “Medicina de Precisão”. Não será apenas "comer bem e fazer exercício". As recomendações serão baseadas no perfil genético de cada pessoa, nos seus dados de estilo de vida em tempo real – obtidos por dispositivos eletrónicos portáveis – e nos biomarcadores específicos. Isso permitirá identificar riscos muito antes do aparecimento da doença e intervir de forma cirúrgica na prevenção.

As intervenções comportamentais guiadas por Inteligência Artificial ajudarão a monitorizar o comportamento - a alimentação, o sono, a atividade física ou o stress - e a fornecer feedback personalizado e incentivos para a adoção de hábitos saudáveis, tornando a prevenção mais integrada na vida diária. O diagnóstico ultra-precoce e preditivo permitirá intervenções preventivas ainda mais precoces. O tratamento será mais personalizado e regenerativo com a chamadas “terapias regenerativas”, o grande sonho da cardiologia, utilizando células estaminais, próprias ou modificadas, ou a engenharia de tecidos, para reparar ou substituir o tecido cardíaco danificado após um enfarte ou em casos de insuficiência cardíaca grave.

Tudo isto combinado com a cirurgia e as intervenções cada vez menos invasivas, associadas a Inteligência Artificial, na tomada de decisão clínica, o que irá auxiliar os médicos na análise de grandes volumes de dados para identificar padrões, prever riscos, otimizar diagnósticos e recomendar os tratamentos mais eficazes.

O futuro das doenças cardiovasculares será caracterizado por uma mudança do tratamento da doença estabelecida para a prevenção, com uma gestão proativa, utilizando tecnologias de ponta e uma abordagem altamente personalizada. O objetivo é não só aumentar a esperança de vida, mas também melhorar a qualidade de vida das pessoas, permitindo-lhes viver mais e com um coração mais saudável.

Coordenador de Cirurgia Cardíaca do Hospital CUF Tejo

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