Democracia e justiça na Ibéria
Há seis meses dissolveu-se um Governo e uma maioria absoluta em Portugal. A grave razão de tal momento inédito da nossa democracia: um comunicado da Procuradoria-Geral da República, que criava suspeitas sobre um primeiro-ministro. António Costa quis dar o exemplo, proteger a democracia. E o resto da história é bem conhecida.
Casos em que políticos em funções foram sendo indiciados de crimes, com muitas violações do segredo de Justiça, para acabarem totalmente ilibados, já tínhamos tido muitos. Com consequências tão graves e influência direta no curso da democracia, ainda não.
Agora foi a vez de Espanha. O recentemente formado Governo espanhol esteve à beira de cair, devido a acusações vindas da extrema-direita, dirigidas à mulher do presidente do Governo. O sistema de justiça tratou de prosseguir com tais acusações, e Sánchez esteve à beira da demissão, por não suportar o enxovalhamento dos seus mais próximos. Felizmente, encontrou as forças para não se deixar derrotar, e assim preservar a vontade popular, a democracia.
Entretanto, ao que tudo indica, as acusações devem ser arquivadas por total falta de provas. Mas Espanha esteve, como Portugal, à beira de um volte-face de consequências imprevisíveis para a democracia.
Como estabelecer regras de conduta que protejam as democracias? Em tempos de tanta mediatização, e tanta comunicação direta com os cidadãos, cada um destes casos é aproveitado pelos populistas para destruir um pouco mais as bases da democracia.
Quando os políticos são indiciados, é o espetáculo do “são todos corruptos”. Quando as acusações caem por não terem qualquer base verosímil, é o “os poderosos safam-se sempre”.
E a extrema-direita populista vai crescendo perigosamente. A cada episódio mais grave, promete-se uma reflexão aturada, mas acaba-se sempre por aprovar umas leis avulsas que virão a limitar ainda mais o exercício da democracia. Tudo se vai tornando crime na letra da lei, ou aos olhos de quem interpreta depois as normas legais.
E o problema não é que se investiguem todos os possíveis casos de corrupção, tráfico de influências, ou prevaricação. O interesse público assim determina. O problema é quando a mediatização sistemática de tais investigações, a divulgação parcial de elementos, a condenação na praça pública, minam a democracia.
Respeitar os prazos de inquérito, para que as vidas não fiquem anos em suspenso (e a reputação dos afetados irremediavelmente destruída), ou investigar o desrespeito do segredo de Justiça, ou um procurador-geral da República que assuma realmente as suas competências e as suas responsabilidades, eis algumas possibilidades a equacionar.
Agora terá começado esta tática de atingir os familiares dos políticos para lhes retirar ânimo, para os derrubar. Só posso imaginar o que sentiria se também os meus fossem levados ao pelourinho, só porque eu escolhi o serviço público...
Conto-me entre os que não se espantaram que o núcleo duro do novo Governo em Portugal tenha sido constituído por políticos profissionais da São Caetano à Lapa, mesmo depois de oito anos de oposição do PSD. Basta passar umas semanas no turbilhão mediático da política nacional para perceber por que é cada vez mais difícil trazer gente nova à política (a não ser que se vá mesmo recrutar gente muito nova e bem-falante, mas com pouco ou nenhum currículo).
Dignidade para a democracia, precisa-se. E uma separação de poderes levada a sério por todos, para todos.
18 valores: Comemorações do 25 de Abril
A enorme mobilização mostrou que os valores de Abril estão bem vivos na nossa sociedade. Os portugueses são democratas e o 25 de Abril é a nossa data. Lamenta-se apenas o divisionismo de quem, para desvalorizar Abril, escolheu este momento para anunciar as comemorações do 25 de novembro - ainda para mais num congresso partidário. Inédito e revelador.