Deixem o Luís trabalhar… como o António

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No último debate sobre o estado da nação, o primeiro da nova legislatura, Luís Montenegro entrou de peito feito na Assembleia da República. Se a oposição contava encurralar o primeiro-ministro com a situação calamitosa em que a saúde ainda se encontra em Portugal, aconteceu exatamente o oposto. Foi o primeiro-ministro a ditar os termos da discussão, exibindo a sua inigualável generosidade a fatias consideráveis da população. 

Além do alargamento do subsídio de mobilidade a todos os professores do ensino público com efeito já no ano letivo que se avizinha e da redução progressiva do IRC (19% em 2026), que poderia ter reservado para a apresentação do próximo Orçamento do Estado (OE), Montenegro sacou da algibeira um alívio de IRS quase imediato – taxa de 0% em salários brutos até 1136 euros em agosto e setembro – e fez mais um movimento repentino na sua dança constante de sedução aos idosos: um suplemento extraordinário de pensões (entre 100 e 200 euros) a ser depositado nas contas um mês antes das autárquicas. 

Parecendo benigna, esta iniciativa encerra uma subtileza perversa que reflete o modus operandi do chefe do Governo. Enquanto em 2024 este bónus foi “oferecido” aos mais velhos em outubro, supondo o primeiro-ministro que o OE pudesse ser chumbado por Pedro Nuno Santos e André Ventura e tirando dela evidente vantagem, este ano o cheque é concedido em cima de um ato eleitoral que os sociais-democratas tencionam que contribua para afundar política e sociologicamente o PS em várias regiões do país. 

Cirurgicamente, vai ser atirado dinheiro para as mãos dos idosos como outrora se arremessava pão duro para a mesa dos pobres. Qualquer eleitor exigente, e que em tempos tenha condenado o chico-espertismo com que António Costa geriu a coisa pública – os suplementos de pensões foram um dos inúmeros exemplos -, não poderá ter meias-palavras para esta jogada. Não está em causa, como o próprio primeiro-ministro chegou a afirmar, uma tentativa de reconciliação com os reformados. Como não se trata de enterrar os machados de guerra quando despeja milhões para silenciar as corporações mais ruidosas. 

Tudo não passa, isso, sim, de uma estratégia de manutenção do poder pelo poder, recuperando todas as bolsas de voto que este PSD julga terem sido alienadas durante os anos de chumbo da troika. Montenegro fá-lo, no entanto, passando uma borracha sobre aquele período em que os portugueses, por mais duras que fossem as medidas tomadas, eram tratados não como criancinhas, mas como cidadãos plenos, como gente crescida. Deliberadamente, está a enterrar o legado de Pedro Passos Coelho e, pior que isso, uma maneira de estar na vida pública. 

Na prática, ao invés de uma força transformadora do país, o PSD tem vindo a transformar-se num promotor de ardis e numa versão de loja de conveniência do imobilismo costista, que não é compaginável com o discurso que nos foi servido durante anos de oposição.  

Estivesse o CDS vivo e a exigência no Conselho de Ministros seria outra. Estivesse a Iniciativa Liberal, único partido não socialista da oposição, saudável, em vez de andar a refletir de portas escancaradas sobre se é mais moderado ou mais radical, e talvez pudesse colher alguns frutos. Na campanha, a AD pediu-nos que deixássemos o Luís trabalhar. Não nos preveniu de que o Luís só queria que o deixassem trabalhar como o António. 

Consultor de comunicação

Diário de Notícias
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