Defender o interesse público na venda do Novo Banco
A notícia, ontem avançada pelo Público, de que um gestor do grupo Novo Banco será suspeito de ter vendido um imóvel a preço de saldo à própria mulher, num negócio em que os laços conjugais levantam evidentes conflitos de interesse, precisa de ser bem esclarecida.
Nos últimos dez anos, o povo português suportou, direta e indiretamente, o resgate do antigo Banco Espírito Santo (BES). Foram injetados milhares de milhões de euros para salvar o que restava do banco em tempos liderado por Ricardo Salgado. Durante esse tempo, como refere a investigação assinada pela jornalista Cristina Ferreira, o banco vendeu frequentemente ativos a preços abaixo do valor contabilístico, com os prejuízos a serem suportados pela almofada do mecanismo de capital contingente que foi acordado com o Estado e o Fundo de Resolução aquando da venda ao fundo americano Lone Star.
Até aqui, nada de novo. Já se sabia que o fundo Lone Star, como qualquer outro investidor especializado em recuperar empresas em dificuldades, tem por objetivo maximizar o retorno do seu investimento. Em suma, compra barato, reestrutura, vende os anéis e no fim encaixa mais-valias. E, afinal, quem definiu as regras do jogo, que o fundo aproveitou até ao limite do possível, foi o próprio Estado português. Porém, a situação que foi descrita no artigo do Público é de outra natureza - dado o evidente potencial conflito de interesses, o método utilizado e os valores envolvidos - e precisa de ser devidamente esclarecida, sob pena de assombrar a colocação em bolsa do banco que deverá ter lugar este ano. E de, mais uma vez, os reguladores ficarem com a fama, justa ou injusta, de assobiarem para o lado.
De resto, este caso traz novamente à baila a questão de saber se o interesse público foi devidamente acautelado na venda do Novo Banco ao fundo americano. Mas essa questão, já muito debatida, é relevante, sobretudo, porque diz respeito ao futuro e não apenas ao passado. Até porque o futuro governo, seja ele qual for, terá uma palavra relevante no processo de venda do Novo Banco, que, juntamente com a eternamente adiada privatização da TAP, deverá ser o grande negócio do ano em Portugal.
Tal como o DN noticiou, a venda do Novo Banco poderá ter lugar em duas fases, primeiro com a colocação em bolsa de cerca de 30% do capital e, depois, com a venda do controlo a um player do setor bancário. Se o Estado e o Fundo de Resolução decidirem vender a totalidade das suas participações (que representam 25% do capital), poderão encaixar entre 1,25 e 1,75 mil milhões de euros, a fazer fé nas estimativas dos analistas. Um valor que, embora significativo, ficará bastante aquém do que o Estado e o Fundo de Resolução injetaram numa década.
O futuro governo terá uma palavra relevante por duas vias. Por um lado, se decidir acompanhar, ou não, a saída da Lone Star. Por outro, se permitir, ou não, que a Caixa Geral de Depósitos adquira o Novo Banco em condições de mercado e com base num plano de negócios racional.
Esperemos que a decisão que vier a ser tomada seja não só transparente do ponto de vista político, mas também guiada exclusivamente pelo superior interesse público. E que o assunto seja amplamente debatido, sem se deixar condicionar por preconceitos ideológicos.
Diretor do Diário de Notícias