Mesmo ao fim de mais de 20 anos de jornalismo - e após uns 36 de estar acordado para a realidade, porque foi pr'aí aos 16 que me passou qualquer ilusão de que as ideologias socialistas/comunistas poderiam alguma vez funcionar (ao contrário de muita gente, aprendi alguma economia, por um lado, e, por outro, fiquei adulto) - não deixa de me surpreender a aparente capacidade infinita de certas figuras públicas para darem as cambalhotas intelectuais que forem precisas de modo a justificarem aquilo que, elas próprias, dizem defender até à morte: a dignidade humana. Refiro-me, neste caso - são tantos à escolha... -, ao modo como os imigrantes em Portugal passaram a ser tratados após a extinção do SEF, da forma incompetente como foi feita pelos Governos de António Costa e com o apoio da esquerda parlamentar..Convém aliás lembrar que todo o processo de desmantelamento do SEF e criação da AIMA - e consequente passagem das competências policiais para PSP e GNR - demorou vários meses, com sucessivos adiamentos, mas que tal não significou um resultado mais organizado, antes pelo contrário..Enquanto o Governo não se decidia o mundo não parou, e a própria Administração Pública entrou em natural confusão. Hoje, são os anteriores governantes que acusam o SEF de ter deixado “quase 400 mil processos pendentes para a AIMA”. Não tenho qualquer inside information da parte dos antigos serviços, mas imagino o que terá sido trabalhar ali naqueles meses, não sabendo o que iria ser o dia de amanhã - quando afinal iria ser transferido e para onde, para fazer o quê... Ou se, sequer, seria transferido. É de admirar que ao longo desse período de confusão - criado pelas mesmas pessoas que hoje justificam o mal que foi feito - tivesse havido processos que não avançaram?.E de então para cá? A AIMA quando foi dimensionada, ex novo pelo Executivo, que desculpas teve para não estar pronta, com todos os efetivos e equipamentos para lidar com a totalidade das situações que iria enfrentar, tal como repetiu amiudadas vezes a ex-ministra da Presidência, Mariana Vieira da Silva, se se sabia já existirem? Só que a realidade foi a inversa: a situação apenas piorou. Existe maior sinal de incompetência e insuficiência do que ter nas mãos um problema e criar uma solução que apenas o piora? Vai ter agora o atual Governo AD de criar medidas de emergência cuja eficácia apenas o tempo poderá demonstrar se serão suficientes..Mais descaramento ainda é tentar justificar a realidade, sem uma humilde assunção de responsabilidade, e atirando para o passado com um singelo “antes também não era muito bom”..Aliás, este é um conceito ideológico que funciona como aquele cartão do “Está livre da prisão” do Monopólio. “Se tivesse funcionado era ótimo. É só dar-nos mais tempo que havemos de acertar!” Só que não - como a História universal demonstra..Fim do SEF acabou com o passaporte urgente.Apesar de serem os imigrantes os obscenamente prejudicados com todo o disparate da extinção do SEF, também há outros efeitos colaterais, como quase sempre acontece quando se fazem processos destes..Em concreto, com o fim do SEF terminou também a emissão do passaporte urgente e temporário - com consequências para, por exemplo, quem tenha uma reunião de negócios num país fora da UE e tenha ficado sem o documento..Foi (mais ou menos) o meu caso... Conto a história no fim desta crónica, porque em comparação com o que estão a passar os milhares de pessoas que não conseguem resolver a sua documentação é um caso anedótico. Mas é também sintomático de como os Governos PS deixaram o país..Tive o azar de ficar doente dias antes de precisar de sair em reportagem para Inglaterra, pelo que não pude tratar do passaporte (estive duas semanas sem sair de casa). Quando finalmente o consegui fazer - e com dificuldade - foi totalmente in extremis, na antevéspera da data limite para enviar o número do passaporte para pedir a acreditação para o evento..Ora, in loco, descubro na Loja do Passaporte do Aeroporto de Lisboa, onde é possível fazer emissão de passaporte no mesmo dia ou de um dia para o outro, que aqui o atendimento apenas é possível... por marcação!.E esta tem de ser feita por e-mail. Não, não posso marcar com nenhuma das duas funcionárias com um ar muito simpático que estavam, naquele momento, sem fazer absolutamente nada ao balcão. E que muito menos me podiam atender porque eu não tinha marcado....Nada disto, diga-se, está devidamente explícito em lado algum do site da Administração Pública sobre a Loja do Passaporte onde, para o cidadão comum, se lê que o agendamento é uma das possibilidades e não que é obrigatório. A não ser que as palavras “O que se pode fazer com este registo?” referindo-se ao e-mail signifique, em funcionalês, obrigatoriedade de marcação..Lá enviei e-mail (o que não foi fácil acertar, porque, depois, os endereços da Administração Pública são criados por pessoas que adoram letras repetidas, pontos siglas e tudo o que uma pessoa normal não usa)..Quando me fazem a marcação, na manhã seguinte, já passava das 11.00. Pelo que o passaporte só estaria pronto no dia seguinte - já tinha fechado a acreditação e perdi assim a possibilidade de estar presente no serviço..Diga-se que só tenho elogios para o funcionário que me atendeu, que tudo fez para me ajudar - incluindo enviar-me os dados por e-mail mal entrou ao serviço na manhã seguinte, assim que estiveram disponíveis. Foi uma simpatia e de uma disponibilidade inexcedíveis..Quem não funcionou foi a Administração Pública propriamente dita, como quase sempre acontece (comigo pelo menos, devo ter muito azar!)..Desde logo porque criar um serviço que funciona para situações de emergência (está no aeroporto e tem horário alargado até às 19.00!), mas depois atende apenas por marcação, o que só não é uma contradição entre termos para quem... olhem, para quem criou a AIMA da forma que a criou, à falta de melhor exemplo..Depois porque no tempo do SEF havia a figura do passaporte urgente, emitido temporariamente no momento, pelos agentes desta força de segurança..Só que com a extinção do mesmo, este acabou. E, assim, criou-se um vazio legal..É que, se calhar, há uma outra razão para aqueles que tratam da parte administrativa das migrações também serem autoridades policiais. Algo que acontece em vários países do mundo. Ao contrário do que diz a ideologia, a coisa pelo menos funciona - até para os portugueses..Editor do Diário de Notícias