Declaração de Belém relança aliança dos países da Amazónia

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Nos dias 8 e 9 de agosto, realizou-se, na cidade de Belém, capital do estado brasileiro do Pará, no coração da floresta amazónica, a IV Reunião dos Presidentes dos oito países que integram a Organização do Tratado de Cooperação Amazónica (OTCA): Brasil, Bolívia, Colômbia, Guiana, Equador, Peru, Suriname e Venezuela. Essa reunião foi organizada por iniciativa do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva que, ainda como Presidente eleito, ao participar da COP27, no Egito, lançou a ideia de voltar a reunir os líderes dos países da região para reforçar o compromisso comum com o desenvolvimento sustentável, em suas dimensões económica, social e ambiental.

Vale lembrar que a Amazónia é um bioma onde vivem cerca de 50 milhões de pessoas, distribuídas em oito países. Como afirmou o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, decidimos "reativar os canais de diálogo com os países da região para que, por meio da cooperação, possamos encontrar, juntos, soluções para nossos desafios comuns, em benefício de nossas populações". Esse desígnio tem duas vertentes fundamentais: valorizar a concertação internacional e promover o diálogo com todos os atores interessados.

É evidente que medidas discutidas conjuntamente pelos oito países que compartilham a Amazónia serão muito mais eficazes. Por isso a decisão de promover o fortalecimento da OTCA, organização regional com vocação específica para esse tema e que passará a contar com uma estrutura mais robusta daqui para frente. Na reunião de Belém - para a qual também foram convidados parceiros tradicionais do Fundo Amazónia, como Alemanha, Noruega e França -, os atores extrarregionais interessados em cooperar para o desenvolvimento sustentável da Amazónia foram encorajados a fazê-lo por meio da OTCA. Saudamos o lançamento do programa Amazónia Sempre, que mobiliza investimentos do Banco Interamericano em Desenvolvimento (BID) e do Banco Nacional de Desenvolvimento Económico e Social (BNDES) para projetos sustentáveis na região.

No tocante à participação social, os líderes dos países da região ressaltaram que o envolvimento da população local, da sociedade civil, da comunidade científica nos debates contribuirão para o sucesso das deliberações sobre o futuro da Amazónia. Na prática, os trabalhos da Cúpula de Belém já foram precedidos pelo Seminário sobre Desenvolvimento Sustentável da Amazónia, realizado em Brasília, em maio; pelo Encontro Técnico-Científico da Amazónia, promovido pelo Governo da Colômbia, no passado mês de julho; e pelos chamados Diálogos Amazónicos, um conjunto de 400 atividades realizadas em Belém, nos dias 4 a 6 de agosto. Olhando para a frente, foram criados diversos mecanismos regulares para promover a participação da sociedade na OTCA, incluindo o Foro das Cidades Amazónicas; o Observatório sobre a situação de defensores de Direitos Humanos, do meio ambiente e de povos indígenas; o Painel Técnico-Científico Intergovernamental da Amazónia (o "IPCC da Amazónia"); e o Mecanismo Amazónico dos Povos Indígenas, que assegura voz aos representantes de nossos povos indígenas.

Relançado o diálogo com os presidentes dos países da OTCA, após hiato de mais de 13 anos, verificamos que existe muita convergência. Todos apoiam o desenvolvimento sustentável da Amazónia, de uma forma que concilie a conservação do bioma e da bacia, a inclusão social, o respeito aos Direitos Humanos, o combate a ilícitos transnacionais, a ação pelo clima, o fomento da ciência, tecnologia e inovação, o estímulo à bioeconomia, e a valorização dos povos indígenas e comunidades tradicionais e seus conhecimentos ancestrais.

Resultado de intenso processo negociador - que contou com ativo engajamento da sociedade civil e da comunidade científica - a Declaração de Belém representa um ponto de inflexão, ao estabelecer uma nova agenda comum de cooperação regional. A partir do amplo consenso alcançado pelos Presidentes, caberá agora aos ministros das Relações Exteriores implementar essa agenda, observado o sentido de urgência que os países Amazónicos atribuem ao assunto. Entre os resultados concretos acordados desde já, vale destacar o oferecimento, pelo Governo brasileiro, do Centro de Cooperação Policial Internacional em Manaus, que promoverá a articulação entre as polícias dos oito países para combater crimes transnacionais, incluindo crimes ambientais. Além disso, ressalto o lançamento da Aliança Amazónica de Combate ao Desmatamento a partir de metas nacionais, como a meta brasileira de desmatamento ilegal zero até 2030.

A erradicação do desmatamento deve naturalmente ser combinada com a recuperação de áreas degradadas. Por esse motivo, a Declaração chamou a atenção para a urgente necessidade de mapear tais áreas, reflorestá-las com espécies nativas e promover atividades económicas sustentáveis e projetos de manejo florestal, que poderão gerar emprego e renda para as populações locais. É nesse sentido que o Presidente Lula da Silva ressaltou que a Amazónia deve ser vista como "uma fonte de aprendizado da ciência do mundo inteiro para que a gente possa encontrar um jeito de preservar ganhando dinheiro, para que o povo possa viver dignamente".

Ressalto, nesse contexto, as gigantescas oportunidades que existem em torno da recuperação de áreas devastadas, gerando dividendos económicos, sociais e ambientais. Empreendimentos de replantio de árvores nativas - como a castanheira, o açaízeiro e a seringueira - contribuem diretamente para a geração de emprego e renda para os povos da floresta, controlam o desmatamento e permitem a geração de créditos de carbono. Tais projetos merecem ser estimulados, inclusive com a contribuição de investidores internacionais.

Embaixador do Brasil

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