Infelizmente, alguns economistas entendem que a UE está, necessária e irreversivelmente, em decadência: distancia-se, em termos de dinâmica de crescimento, dos EUA e da China, passa por um período de emergência de movimentos nacionalistas-populistas antifederalistas, a França e a Alemanha (eixo do desenvolvimento europeu) estão em crise, irá conhecer um presidente dos EUA hostil ao projeto europeu e conhece, ainda, uma situação de guerra na Ucrânia como já não sucedia desde os idos tempos da II Grande Guerra Mundial. Enfim, tudo corre mal, não parecendo haver solução para o projeto europeu.Jean Monet e Robert Schuman deixariam de acreditar no projeto europeu se estivessem, hoje em dia, vivos.Não sou dos que pensam assim, antes considerando que o projeto dos “Pais Fundadores” continua vivo para a generalidade dos europeus esclarecidos.A UE conseguiu passar pelas fases da Zona de Comércio Livre, de União Aduaneira e Mercado Comum, chegando à fase de União Económica e Monetária, integrando, na altura, 15 Estados-Membros e tendo de recorrer a mecanismos de decisão complexos e altamente morosos.Mesmo depois de tudo isso, já com novos alargamentos, ultrapassou a “crise do euro” de 2011-2014, superou a situação pandémica pós-2019 e tem resistido à invasão russa de há cerca de três anos a esta parte, tendo passado pelo Brexit e por sucessivos “boicotes internos”, com destaque para a Hungria do Sr. Orbán.E mesmo com essas contrariedades aprofundou a União Económica e Monetária com a União Bancária, já enveredou, em situações particularizantes, pela mutualização da dívida, tem um presidente do Conselho Europeu e uma presidente da Comissão Europeia capazes e está a ponderar o aproveitamento de muitas sugestões do Relatório Draghi.Será tudo isto um indicador de desistência?Sei que, ao falar em presidente da Comissão Europeia capaz, muitos correligionários meus se sentirão ofendidos pelo elogio a alguém da direita conservadora. Acontece, todavia, que, sendo o autor do presente texto de esquerda moderada, não deixa de preferir uma europeísta democrata confessa a alianças com setores antieuropeístas e da esquerda não democrática.Se estivesse no Parlamento Europeu, teria sido dos deputados de esquerda (que os houve) que votariam em Ursula von der Leyen.E não se afigura líquido que a Alemanha não venha a superar a presente crise, construindo um governo CDU-SPD, uma vez que o SPD pertence à esquerda que sabe distinguir o inimigo principal dos inimigos secundários, nas circunstâncias presentes.Como não se afigura líquido que a França não consiga construir uma solução governativa, a médio prazo, com setores que integrem socialistas, centristas e republicanos moderados.E como não se afigura líquido que o endividamento público da França, em 2025 e 2026, venha a atingir um montante tão elevado que o Governo seja confrontado, necessariamente, com uma situação de rutura.Sempre advoguei a tese de que o BCE deveria ser autorizado a comprar dívida pública de Estados-Membros em situação particularmente difícil no mercado primário “a la Roubini”.Ora, é aí que estamos, presentemente.Sou dos que entendem que se a França vier a conhecer um aumento de dívida pública para 118 ou 120% do PIB, no decurso do próximo ano, o BCE deverá negociar diretamente com o Governo francês a aquisição de dívida pública em condições especiais, afastando o cenário do caos.E isso permitirá a Macron “comprar tempo” para fazer os ajustamentos que vierem a ser tidos como convenientes.É evidente que a UE conhecerá problemas graves, que a guerra na Ucrânia poderá ser um detonador de uma situação particularmente crítica para a Europa e para o Mundo.Mas, a UE, ainda não acabou e deve continuar a merecer a confiança dos europeus.O pior que pode acontecer à Europa é estar confrontada com uma pseudo-elite governante (ou próxima da governação) que já não acredita no projeto europeu e que não sabe distinguir o inimigo principal (a direita populista nacionalista exacerbada) dos adversários que, estando a competir com a esquerda democrática, são, também eles, defensores da democracia e da liberdade.Nem mais, nem menos… *Economista e professor universitário