De um Trump neo-Putinista

Publicado a

De há longos anos a esta parte, o conjunto de países que se convencionou designar por Democracias Ocidentais tem vindo a adoptar dois princípios fundamentais norteadores da política externa - a saber: o respeito pelo Direito Internacional e a defesa dos Direitos Humanos.

Não deixa de causar apreensão que o novo líder dos EUA tenha produzido afirmações semelhantes às de certos autocratas que assumem como padrão comportamental estarem sempre ou quase sempre a pôr em causa esses princípios.

As afirmações produzidas por Trump sobre o Canal do Panamá, a Gronelândia e o próprio Canadá são exemplo disso mesmo.

O exercício da soberania deve assentar na legitimidade democrática e não numa “legitimidade imperial “ou, ainda, numa “legitimidade ditada pela lei do mais forte”.

Por outro lado, Trump tem apostado no reforço da extrema-direita europeia e, por conseguinte, no enfraquecimento do centro-direita e do centro-esquerda nos países da Europa, fazendo, objectivamente, o jogo de Putin e de Xi Jinping, para além de assumir, de tempos a tempos, posições exacerbadamente críticas em relação aos seus aliados na NATO.

Existem alguns teóricos neo-trumpistas que pretendem explicar o seu comportamento através de dois eixos de análise.

O primeiro, tem que ver com o que designo de “técnica do vendedor de tapetes de Rabat”, isto é, com a ideia de que deve procurar negociar-se por um preço especulativo o valor de venda, por exemplo, por 100 para, depois, se vender por 50 (ou propor a compra por 50 para, depois se realizar a transacção por 100).

O segundo, estaria relacionado com a ideia de fazer uma ponte directa com a Europa de Leste (Hungria, Eslováquia, Roménia, Sérvia e outros países), deixando a Europa Ocidental em “banho-maria”.

Não estou de acordo com essas construções teóricas.

Em primeiro lugar, porque prefiro a “técnica de negociação Kissinger”, em que a proposta a fazer deve estar nas proximidades do valor do acordo que se pretende celebrar. É uma estratégia mais credível e, por isso mesmo, mais respeitável.

Há uns anos, Trump ameaçou destruir a Coreia do Norte se a mesma continuasse com o seu programa nuclear e as provocações à segurança da Coreia do Sul e do Japão. Chegou mesmo a fazer uma cimeira com Kim Jong-Un, dando-lhe alguns abraços amigos.

Dois anos volvidos, o Presidente Kim continuava a fazer o mesmo que anteriormente.

E, hoje em dia, as ameaças de Trump resvalam na couraça da indiferença do líder norte-coreano, conforme veremos.

Em segundo lugar e no que respeita à tese de aproximação à Europa de Leste e de deixar a actual NATO em “banho-maria”, confesso que não a entendo de todo.

E isto porque a generalidade desses países da Europa de Leste está dividida, numa proporção de quase 50 por 150%, entre a UE e Putin e não entre os EUA e Putin.

E, ainda, porque o que, realmente, poderá intimidar Putin e Xi é uma aliança forte entre EUA, UE, Reino Unido e Japão e não uma eventual aliança entre os EUA e dois ou três países da Europa de Leste.

Uma estratégia desse tipo levará, muito pelo contrário, à perda de influência dos EUA na Europa Ocidental, sem ganhar, necessariamente, influência significativa na Europa de Leste.

Mesmo algum grande capital americano que queira enveredar pela mesma estratégia de Trump corre o risco de, a prazo, perder um grande mercado na Europa Ocidental para tentar conquistar um mercado muito débil na Europa de Leste.

É, enfim, uma estratégia suicida.

Até porque os aliados nacionalistas de Trump da Europa Ocidental serão sempre proteccionistas, como consta de qualquer Manual de Economia Política que, a este propósito, conviria, pelo menos, consultar.

A ideia de que faz, por vezes, sentido negociar na fronteira do desrespeito por valores essenciais, na linha de um eventual acordo tripartido EUA-Rússia-China, dividindo o Mundo de acordo com uma análise da correlação de forças, leva a que se enverede por um jogo perigoso em que se substitui a “bandeira dos valores e dos princípios” pela bandeira, algo medieval, do “mais forte”.

E não será nunca assim que serão conquistadas as novas gerações do futuro e que ocorrerão progressos civilizacionais.

Nem mais, nem menos…

Economista e professor universitário.

Escreve sem aplicação do novo Acordo Ortográfico

Diário de Notícias
www.dn.pt