De Oleiros ao Tibete: a viagem de António de Andrade em 1624

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Em 1624, o jesuíta português António de Andrade tornou-se o primeiro europeu a visitar o Tibete Ocidental. Quatrocentos anos depois desse acontecimento, esse facto ainda é pouco divulgado, porque a expansão portuguesa ainda é valorizada essencialmente na sua componente marítima, que levou as naus portuguesas por “mares nunca de antes navegados” a passar para “além da Taprobana”.

Nascido no ano de 1580 em Oleiros, no distrito de Castelo Branco, ficou imortalizado por ter percorrido as regiões localizadas no Norte da península do Hindustão, que eram desconhecidas dos europeus, vencendo com enorme sacrifício e muita coragem não só os climas rigorosos dos desertos estéreis e gelados que atravessou, como também a confiança das populações que contactou nas suas viagens.

A epopeia de António de Andrade iniciou-se com a viagem marítima de Lisboa até Goa, a bordo da nau S. Valentim, que naquela época era em si mesmo uma aventura. Depois, quando estava na “Goa Dourada”, surgiu a vontade e o desafio de descobrir uma terra distante, encravada nas montanhas entre a Índia e a China, e, por via terrestre, largou de Goa e caminhou para norte, atravessando o subcontinente indiano. Por duas vezes (1624 e 1625) dirigiu-se a Tsaparang, no reino de Guge (Tibete Ocidental), o que fez dele um exemplo de coragem, tenacidade e superação. Com os conhecimentos em navegação astronómica adquiridos na Aula da Esfera, do Colégio de Santo Antão (em Lisboa), munido de um astrolábio e de um compasso de sol, desbravou horizontes e novos conhecimentos em variados domínios científicos, o que teve um indiscutível impacto cultural na Europa do século XVII e ajudou a imortalizar o seu nome como um dos maiores portugueses da história dos Descobrimentos.  

A região do Tibete já era conhecida no imaginário europeu, embora de uma maneira muito vaga e nunca tivesse sido visitada, havendo a convicção de que nela existiam cristãos. Este rumor conduziu o jesuíta António de Andrade a uma viagem aventurosa que cruzou a cordilheira dos Himalaias em direção às nascentes do rio Ganges, para depois entrar no Tibete, a fim de estabelecer acordos e relações amistosas com o rei de Guge e uma possível autorização para a fundação de uma missão católica.

Esta viagem, que ficou registada numa carta do próprio intitulada Viagens na Ásia Central em Demanda do Cataio, em 1624, inclui-se no contexto da expansão dos missionários europeus pelas regiões orientais, tendo-se tornado muito popular em toda a Europa.  

Além disso, as cartas escritas pelo missionário jesuíta, para além de constituírem uma narrativa da viagem histórica que atravessou uma das mais altas cordilheiras montanhosas do mundo, num caminho até um reino então totalmente desconhecido, permitiram obter informações essenciais sobre a etnografia, o clima, a fauna e a hidrografia de um dos mais importantes rios do mundo, possibilitando aos europeus uma leitura mais fácil e mais esclarecedora dos limites da fronteira com a China.

O padre António de Andrade acabou por morrer prematuramente, em 19 de março de 1634, enquanto reitor do colégio onde muitos dos jesuítas que serviam no Oriente recebiam a sua formação, misteriosamente envenenado enquanto se preparava para voltar ao Tibete. Deixou nas suas cartas um precioso registo histórico, cultural, religioso e geográfico, que marcou o início do contacto entre o Ocidente e o povo tibetano. Para além de corajoso explorador e de ardente missionário, são muitos os adjetivos que descrevem a figura deste jesuíta.

António de Andrade deve ser retirado do esquecimento, assim como a sua obra deve ser aproveitada como documento fundamental para estudo das relações históricas e culturais com o Tibete.

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