De ministro cativador a governador imprudente

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Escrever um artigo na quarta-feira na véspera da decisão sobre a nomeação de um novo governador para o Banco de Portugal é estar no limbo das certezas sobre o que vai concretizar-se sobre o conteúdo desta crónica.

Mas vamos lá então arriscar. Luís Montenegro, recentemente, falou sobre o perfil que deve ter quem exerce o cargo de governador do Banco de Portugal, tendo incluído Mário Centeno nesse perfil e logo alguns meios de comunicação social apostaram na sua recondução.

Apesar de uma imagem de competência, tenho dúvidas de que Mário Centeno se mantenha no cargo. Por isso, vamos à lista de candidatos passíveis de caírem na escolha do governo.

Desde logo Álvaro Santos Pereira, Economista Chefe da OCDE é, tecnicamente, o que está em melhores condições para assumir o cargo.

Depois, surgem outros nomes como Vítor Gaspar que, recentemente, deixou o cargo de diretor de Finanças

Públicas do FMI. Há, ainda, outros potenciais candidatos para substituir Centeno, como Passos Coelho, ex primeiro-ministro, António Ramalho, ex-presidente do Novo Banco, Ricardo Reis, professor na London Scholl of Economics, Luís Cabral, doutorado pela Universidade de Standford e, finalmente, Óscar Afonso da Faculdade de Economia do Porto.

Mário Centeno, enquanto ex-ministro das Finanças, foi o executor da política de cativações de António Costa. Ao Parlamento durante a sua governação como ministro iam incluídos nos Orçamentos de Estado valores para áreas sociais tão importantes como a saúde e a habitação, valores esses que, depois, eram sucessivamente cativados durante a execução orçamental. Assim se explica os elevados excedentes obtidos durante os anos dos governos de Costa, como, por exemplo, de 1.2% do PIB em 2023. Centeno ia cativando dinheiro e isso explica, em parte, a razão dos valores mínimos de investimento público. Percebe-se, assim, porque não temos hoje habitação pública e o SNS está nas condições que todos conhecemos.

Mas depois, mudam-se os tempos, mudam-se as vontades. E eis que na sua condição de governador do Banco de Portugal, Mário Centeno resolve assumir uma postura imprudente na utilização de dinheiros públicos e decide assinar com a Fidelidade um duvidoso contrato de promessa para a construção de uma nova sede para o Banco de Portugal nos terrenos da antiga Feira Popular, no valor total, em tosco, de 191,99 milhões de euros. Uma obra que, um dia, a edificar-se, ficará próximo dos 300 milhões de euros incluindo o “recheio” do tosco.

Tudo isto com uma entrega inicial de 57,8 milhões de euros na assinatura do contrato de promessa sem a garantia de projeto aprovado pela Câmara de Lisboa e pela CCDR. E, ainda, com 16 avisos internos do próprio Banco de Portugal de que o negócio envolve sérios riscos. Esta atitude imprudente já tem uma auditoria da Inspeção-Geral de Finanças e vamos ver se o Ministério Público não vai mexer no assunto.

O Banco de Portugal tem um número de funcionários que varia entre os 1150 e os 1200. O seu património é vastíssimo e inclui uma valiosa quinta em Caneças, a Quinta da Fonte Santa, com cavalos e um picadeiro, tudo isto para a realização de reuniões de trabalho. Tem um edifício na Expo e um terreno no Alto dos Moinhos para onde estava prevista a construção da nova sede do Banco de Portugal. Possui ainda a antiga Igreja de São Julião, situada na Baixa lisboeta e que está transformada num espaço para a realização de eventos. Portanto, tudo em grande e à....portuguesa.

Estando ou não de saída, e eu acredito que sim, Mário Centeno despachou o seu chefe de Gabinete para Diretor de um dos mais importantes departamentos do Banco de Portugal e fez nomeações de “última hora” tais como a da mulher do seu antigo secretário de Estado das Finanças, Ricardo Mourinho Félix, para diretora-adjunta do Departamento de Estatística.

Esta atitude de Mário Centeno de “fim-de-linha” num país europeu é imprópria de um governador de um Banco Central. Tendo a origem política que tem, da área socialista, procedimentos como os de Mário Centeno descredibilizam essa sua área política, mas pior do que isso dão uma má imagem do país. Portugal já tem maturidade suficiente de democracia para ter um governador do seu Banco Central, tecnicamente, competente, mas afastado de influências partidárias e ideológicas. Seja ele quem for o escolhido esperemos que o futuro governador da Banco de Portugal seja alguém que cumpra com rigor o que são as suas principais funções de regular e supervisionar as instituições de crédito, o cumprimento das regras da boa governação dos bancos e manter a estabilidade do sistema financeiro português. Tudo isto com eficácia, recato, sensatez e discrição.

Jornalista

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