De Marechal a Maricopa

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No dia 6 de outubro, dia das Eleições Municipais no Brasil, as urnas eletrónicas, que são testadas, verificadas e auditadas, fecharam às 17.00 horas locais. Às 21.00 horas, mais coisa menos coisa, já se conhecia 100% dos resultados em todo o país, tanto na cidade de São Paulo, que tem mais eleitores do que Portugal, como na isolada Marechal Thaumaturgo, localidade no Estado do Acre acessível só após viagem de autocarro, depois de barco e depois de avião.

No dia 5 de novembro, dia da Eleição Presidencial nos EUA, caso Donald Trump não tivesse goleado Kamala Harris, os americanos poderiam ter de esperar uma semana para saber o resultado: em Maricopa County, Arizona, o último a acabar de contar os votos, dia 11, os fiscais certificaram-se, primeiro, de que cada eleitor usara as duas folhas de votação impressas, a seguir separaram-nas e classificaram-nas manualmente, depois conferiram as assinaturas e digitalizaram-nas, para, finalmente, as enviarem para ratificação na tabulação central. Qual dos sistemas - o eletrónico usado no Brasil que revela o vencedor em poucas horas, e jamais evidenciou fraudes, ou o manual usado em alguns Estados dos EUA, que demora seis dias e requer centenas de pessoas a fazer trabalho de robô - o leitor considera mais apropriado aos dias que correm?

Pois é, os bolsonaristas preferem o outro. Por decisão deles, na quarta-feira, dia 11, uma comissão da Câmara dos Deputados ressuscitou a discussão de um projeto de lei que obriga os eleitores a votarem em papel, além de eletronicamente, e que cada voto seja retirado individualmente da urna física durante a contagem, lido em voz alta por um fiscal e apresentado aos demais fiscais.

No projeto, a cargo de José Medeiros, deputado eleito por voto eletrónico e fiel acólito de Jair Bolsonaro, que se elegeu presidente da República em 2018 e deputado nas sete legislaturas anteriores também por voto eletrónico, não está especificado quanto custaria a graça em urnas, fiscalização, transporte, alimentação. Nem como seria realizada a custódia dos comprovantes impressos, nem quais as consequências, caso as contagens física e eletrónica fossem discrepantes.

Porque, no fundo, o que move o bolsonarismo é 1) o complexo de vira-lata (cão rafeiro), a que o dramaturgo Nelson Rodrigues já aludia em meados do século XX, traduzido aqui no: ‘Ah, se nos magníficos EUA é assim, então vamos fazer igual, é impossível estarmos à frente deles seja no que for’, mesmo que a lógica demonstre o contrário; e 2) o método da extrema-direita mundial dos nossos dias de lançar suspeições sobre o sistema de votação para contestar eventual derrota - e essa contestação, no limite, pode vir em forma de golpe de Estado, como a Polícia Federal brasileira vem descobrindo.

Afinal, esse método da extrema-direita mundial dos nossos dias foi replicado por Javier Milei, o presidente da Argentina, nas eleições que ganhou em 2023. A diferença é que lá ele desconfiava do voto manual e exigia o voto eletrónico.

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