De malas aviadas
1. Não foram poucas as vezes que o líder do Chega pediu a demissão de detentores de cargos políticos ocupados por outros partidos. Recordemos apenas uma, de janeiro do ano passado, quando - face às buscas e suspeitas que recaíram sobre Miguel Albuquerque, presidente do Governo Regional da Madeira - o dirigente do Chega disse que o “mínimo” que se poderia exigir a Albuquerque, dirigente do PSD, era a demissão.
“Os partidos não podem ter uma palavra para um caso e uma palavra para o outro” e isso inclui o Chega, afirmou na altura André Ventura, para quem o seu partido “tem de fazer a diferença” no “combate cerrado a estas situações de conluio, ligações e corrupção”, até porque “as pessoas querem saber as exigências dos partidos”.
O que está em causa nas buscas ao deputado do Chega Miguel Arruda - alvo de buscas e constituído arguido por suspeita de roubo, durante vários meses, de malas nas Chegadas do Aeroporto Humberto Delgado, em Lisboa - não tem o impacto de casos de alegada corrupção em contratos públicos, mas não deixa de ser grave.
Sobre o caso, André Ventura disse-se “perplexo”, “estupefacto” e garantiu que iria exigir explicações ao deputado, com vista - caso não fossem satisfatórias - ao seu afastamento do grupo parlamentar.
Miguel Arruda diz-se “inocente” e o seu advogado afirma que as malas apreendidas pelas autoridades apenas continham “tralha”. Ainda assim, tendo em conta a rapidez com que André Ventura julga os outros, é quase certo que Miguel Arruda estará com as malas aviadas para sair do Parlamento.
2. Há muitos anos a dividir entre si o bolo do mercado ferroviário em Portugal, a CP e a Infraestruturas de Portugal tinham tudo para se darem bem. Apesar de qualquer operador se poder candidatar a fazer o transporte de passageiros em qualquer linha - o Direito Europeu determina que este mercado tem de ser aberto -, a IP tem sucessivamente rejeitado abrir slots para outros que não a CP, numa espécie de “uma mão que lava a outra”, protagonizada pelos dois incumbentes do setor.
Mas até as comadres se zangam. Tal como é avançado esta quinta-feira, 23 de janeiro, pelo DN, a destruição de um Alfa Pendular da CP, em julho de 2020, num acidente em Soure, foi a gota de água para a empresa pública que opera os comboios, que agora exige quase 19 milhões de euros à IP. Com mais ou menos milhares de euros gastos em advogados de alta cilindrada, uma coisa é certa: como são ambas empresas públicas e dependem do Orçamento do Estado, será sempre o contribuinte a pagar a reposição do Alfa Pendular, os advogados dos dois lados, mas também os juízes, os funcionários judiciais e cada uma das fotocópias e dossiers mobilizados para um caso que pode demorar uns anos a dirimir.
Diretor-Adjunto do Diário de Notícias