Das trevas e da luz

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Em "estado de emergência global", dezenas de líderes participam nas próximas duas semanas na Cimeira Mundial do Clima, desta vez em Glasgow, cinco anos depois dos Acordos de Paris.

Com um balanço trágico em mortos e devastação, a ocorrência cada vez maior de fenómenos extremos interpela a comunidade internacional para o destrambelho meteorológico que alastra incêndios, derrete glaciares e multiplica inundações e deslizamentos de terras, aumentando a temperatura média do planeta em geral e gerando correntes de água nos oceanos e no ar que estão a alterar os padrões históricos do clima. Os efeitos das mudanças climáticas não se limitam a tornar mais secos os lugares que já eram áridos ou a causar mais tempestades onde elas já costumavam ocorrer. O que é alarmante, agora, é a aceleração desses fenómenos e a violência como se manifestam sobre a descuidada ação humana. É urgente reagir e prevenir, porque todas as evidências científicas sobre os caprichos da natureza colocam o homem no papel de vilão: eis o mote da Cimeira de Glasgow.

O Painel Internacional sobre Mudanças Climáticas (IPCC) prevê que, independentemente do que a humanidade faça, o aquecimento global atinja 1,5 grau em menos de 30 anos, fazendo subir em 40 centímetros o nível do mar, galgando as costas mais frágeis e provocando cheias cada vez mais frequentes. Isto enquanto, noutros lugares, as secas que aconteciam algumas vezes a cada século comecem a ocorrer algumas vezes a cada década. O debate já não é se isso vai acontecer ou não, mas se vamos a tempo de nos adaptarmos a esse mundo e se seremos capazes de mitigá-lo. Se não invertermos a tendência, a temperatura média pode aumentar até quatro graus, derretendo irreversivelmente o Ártico e tornando impossível a vida como a conhecemos em grande parte do planeta. No final do século, as consequências pagá-las-ão as crianças nascidas nesta década. Não é a Terra que está em perigo, é a humanidade. Por isso, a geração de líderes que deve agir, e rapidamente, é a que governa hoje. É a esta geração que exigimos acordos mais ambiciosos que permitam revolucionar o nosso modo de viver, trabalhar, produzir, consumir e viajar.

Os efeitos de uma tal revolução colocam, porém, novos problemas e outras formas de desigualdade a que é preciso acudir e minimizar. Desde logo, prevenir alternativas para os milhares de empregos que se vão perder (na exploração de combustíveis e outras áreas mais dependentes de energias poluentes) em virtude da reconversão industrial precipitada pela transição energética. Por outro lado, avulta a instabilidade dos mercados de energia, com forte impacto social, repercutido nas faturas pelo consumo, por exemplo - o que atinge todos, mas proporcionalmente pesa mais a alguns do que a outros. A história recente, em vários países, demonstra que o aumento dos já elevados custos, sem medidas de compensação para os setores mais vulneráveis da sociedade, pode ser o rastilho de novas vagas de protestos e agitação social, sendo que energia e transportes são setores-chave, potencialmente explosivos. O descontentamento pode irromper, com duplo efeito negativo: resistência à própria transição energética e impulso às formações mais retrógradas do espetro político. Este é o fantasma que preocupa muitos governos e que paira sobre a Cimeira do Clima, a COP26, que começa já no domingo.

Jornalista

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