Das perceções de insegurança e da distorção da realidade
Dois terços dos portugueses (67,4%) acreditam que “os imigrantes contribuem para o aumento da criminalidade”, segundo o “Barómetro da Imigração: a perspetiva dos portugueses” da Fundação Francisco Manuel dos Santos, divulgado esta semana. O mesmo documento regista que “o número de reclusos de nacionalidade estrangeira manteve-se relativamente estável nos últimos dez anos. Verifica-se até uma diminuição, ainda que ligeira, entre o número de presos estrangeiros nos últimos dois anos quando comparados com 2013 e 2014”, com base em dados da Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais.
Por muitos malabarismos que se façam das estatísticas de criminalidade participada e de outras fontes, não é possível, sendo rigoroso e tendo em conta a proporção de crimes cometidos por estrangeiros (que podem ou não ser imigrantes) face ao universo total destes residentes, concluir de outra forma que não a de que não está demonstrada essa relação. Então a que se deve a perceção dos inquiridos no referido barómetro?
A narrativa de que os imigrantes são criminosos tem uma origem e beneficiários conhecidos e os seus propagadores sabem usar as redes sociais para a difundir.
No dia a seguir às últimas Eleições legislativas fiz uma reportagem no distrito de Faro, onde o partido Chega tinha vencido. “Na terra onde Ventura é rei” (era este o título), uma jovem de 23 anos de Ferreiras (a freguesia em que o partido de direita populista obteve mais votos, com 34%) indicava como uma das causas para o resultado eleitoral “histórias de indianos que andavam a violar mulheres portuguesas”.
Ouvi outras pessoas a contar histórias semelhantes, várias atribuindo-as aos taxistas que não queriam a concorrência dos muitos TVDE conduzidos por estes imigrantes, mas ninguém tinha a certeza de terem mesmo acontecido, só que tinha corrido esse rumor. Curiosamente, quando contactei a deputada municipal do Chega esta esclareceu e desmentiu.
“Quando me chegou isso aos ouvidos, a primeira coisa que fiz foi ir falar com o comandante da GNR para lhe perguntar. Não era verdade”, contou ao DN. Reconhecia, porém, que o tema imigração como uma das causas para os 32,6% do Chega no seu concelho.
Sobre este tipo de perceções de insegurança, publicamos esta quinta-feira, 19 de dezembro, um artigo da Amanda Lima que nos mostra bem o resultado da distorção da realidade que provoca os resultados do barómetro já referido. O mesmo género de rumores que se ouviram no Algarve intoxicaram outros pontos do país, criando a ideia de que havia uma “onda” de violações nos TVDE. Ao ponto de, invocando segurança, começar a ser promovida uma nova plataforma especial de transporte para condutoras e passageiras.
Ora, de acordo com as informações oficiais da PSP nos últimos seis anos foram recebidas cinco queixas desse crime. Em 2024, nenhuma. Para se ter uma noção do que isto significa no total de violações participadas citamos o último Relatório Anual de Segurança Interna (2023), segundo o qual foram investigados pela Polícia Judiciária (que tem esta competência exclusiva) 519 casos de violação e 494 em 2022.
Este é só um exemplo de como se pode manipular uma sociedade, dividi-la para reinar, fomentar o ódio e usar o medo para ganhar poder. Atingir fatalmente a democracia.