Das eleições nos EUA e outras incertezas no horizonte próximo
Este é um regresso de férias de verão muito especial. Inquietante, será no mínimo a palavra adequada.
As grandes crises internacionais não tiraram férias, antes bem pelo contrário. Entramos em setembro, no novo ano político, com os mesmos conflitos, mas agora disputados em patamares mais elevados de violência e perigosidade. Quem vê os dias de hoje com uma preocupação maior e nota um nível de incerteza acrescido, não é um pessimista. Mostra, isso sim, que sabe ler o sentido dos acontecimentos, incluindo as tendências recentes. Os principais confrontos, na Europa, no Médio Oriente, no Sahel, no Sudão, no Mar do Sul da China, para mencionar apenas os mais notórios, estão agora mais intensos, em comparação com as situações vividas ainda há pouco, em finais de julho.
E temos pela frente uma disputa política determinante, as eleições presidenciais norte-americanas. Não há memória de um ato eleitoral tão crítico, num país tão decisivo na cena global. Os dois candidatos que contam, o Republicano e a Democrata, corporizam os antagonismos existentes, quer em termos de política interna quer sobre o papel dos EUA no mundo. A vitória de qualquer um dos dois acentuará seriamente as fraturas políticas e sociais presentes na sociedade americana. Se porventura Donald Trump saísse vitorioso da contenda, creio que se poderia assistir a um incremento das tensões em vários palcos da cena internacional, bem como a um alargamento e consolidação dos regimes ditatoriais. Trump considera-se um ser superior, genial, e tem, por isso, uma enorme admiração por outros autocratas que conseguiram, nos seus países, impor-se ao resto dos seus concidadãos, subjugando-os. É esse o seu modelo declarado e provado de governação.
Os próximos dois meses exigem a quem se ocupa das relações internacionais que dê uma atenção sem falhas a essa competição eleitoral. Sobretudo a nós, na Europa. Não nos cabe meter a colher nas eleições dos outros. Mas os EUA são o nosso principal aliado em matéria de defesa, sem os quais tudo seria mais difícil face àqueles que obsessivamente nos olham como seus inimigos.
É preciso falar claro: a vitória do candidato Republicano teria um impacto negativo desmedido sobre o futuro da Europa. E não apenas durante o seu mandato. Quem está por detrás de Trump, os conservadores e os nacionalistas da pior espécie, os mais retrógrados, sem esquecer Elon Musk e outros do seu género, têm um plano concreto: criar as condições para garantir a hegemonia americana agora e no futuro. A China é o principal inimigo. Mas a UE é igualmente um rival, do ponto de vista dos valores e de certos sectores da economia. Por isso, a desagregação da Europa é algo que faz parte dos objetivos dos intelectuais americanos mais nacionalistas, nomeadamente dos autores do Projeto 2025, e da gente insólita que tem Musk como o exemplo mais conhecido e mais perigoso. Musk está profundamente empenhado na vitória de Trump: veja-se a propaganda, as mentiras e as atoardas que publica diariamente na sua plataforma social X.
A candidatura de Kamala Harris veio trazer esperança a quem vê nos EUA um parceiro indispensável em matéria de defesa da democracia, de cooperação internacional e do renascimento do sistema onusiano. Harris é a candidata que importa à Europa que ambicionamos. Não deve haver quaisquer dúvidas sobre essa matéria. Assim, pareceu-me absurdo que o líder parlamentar de um partido relevante em Portugal tenha dito recentemente que “teria muita dificuldade em escolher” entre Harris e Trump. É caso para perguntar: se perante uma questão tão evidente esse líder tem hesitações, quantas não terá perante a complicada situação em que se encontra a sociedade portuguesa? Ou será simplesmente uma manifestação excessiva de prudência, expressa de modo diplomático, mas certamente errado, quando os tempos exigem coragem e sinceridade?
É por termos dirigentes políticos deste calibre, em Portugal e em vários países europeus, uma espécie de apanha-bonés de terceira divisão, incapazes de exprimir de modo aberto os interesses da Europa, e pelos riscos e perigos que a situação internacional comporta, que é fundamental ter um aliado firme e coerente à frente da Casa Branca, em Washington. Essa pessoa deverá ser Kamala Harris.