Dar balúrdios por coisas NFT vai desaparecer como os tamagotchi*
Após um colecionador de arte ter dado 69 milhões de dólares, num leilão da Christie's, por uma obra virtual cuja autenticidade e originalidade são asseguradas por uma "assinatura" digital designada NFT, não pararam de surgir notícias de outros casos do género.
A tecnologia em causa não é exatamente nova, mas neste início de ano parece ser a nova moda de quem mina criptomoeda e depois não sabe o que fazer com o dinheiro.
Algo que acontece com frequência a quem tem muito dinheiro...
Na realidade, nada do que está a acontecer é novo. A pessoa naturalmente ambiciona conseguir ter um pouco mais -- e se possível algo único. A negação dessa individualidade (tentada pelas ideologias mais radicais, à esquerda e à direita, e pela maioria das religiões como forma de concessão de privilégio às respetivas elites -- mesmo que muitas vezes sob o álibi da proteção dos fracos e oprimidos) tem historicamente estado na origem dos maiores crimes contra a Humanidade. Exemplos não faltam, do Holocausto ao Holodomor (duas situações totalmente comparáveis, ao contrário do que muitos continuam a querer vender, como recentemente voltou a ser falado por cá), da Santa Inquisição às várias jihads a que assistimos hoje diariamente, etc.
O que a tecnologia abriu, como em tantas outras situações, foi a possibilidade de conseguir coisas únicas -- unidades monetárias, peças de arte... -- que antes não se conseguiam (ou pelo menos através de formas que antes não eram possíveis).
Algo absolutamente normal. Raras são as coisas que são atualmente feitas como eram há 50 ou 100 anos. E algumas que o são, até valem mais por isso.
Isto porque, convém ter sempre em mente, o valor de seja lá o que for -- não havendo qualquer agente distorçor (como o governo) na engrenagem -- é aquele acordado entre o comprador e o vendedor. Ponto final parágrafo. Isto é de uma simplicidade tal que há muita gente que, por questões ideológicas (que é como quem diz, de fé), não acredita que tal possa ser possível.
O tal quadro virtual de Beeple vale 69 milhões de dólares? Sim, apenas e só porque alguém quis dar esse valor por ele. E quanto valerá hoje? Ninguém sabe. Teria de ser posto à venda outra vez para se saber.
E se toda a volatilidade desta "mão invisível", para usar a malfadada expressão de Adam Smith sobre a qual toda a esquerda do mundo cospe, lhe faz impressão, porque não consegue imaginar um mundo sem que cada passo seja altamente regulado por uma entidade central, fique a saber que a tecnologia por trás do NFT e das criptomoedas que muito habitualmente têm sido usadas para pagar estas contas -- a blockchain -- é ela própria totalmente descentralizada, independente e só funciona porque ninguém (nenhuma entidade única) possui controlo sobre ela.
A blockchain é basicamente um registo, um livro-razão, descentralizado por todos os computadores que participam no sistema.
Grosso modo, cada registo (chamado block) está encriptado e ligado ao registo anterior com um "selo" do momento em que foi feito. Estes registos vão-se acumulando em cadeia (a chain). Uma vez introduzidos os dados no block torna-se impossível alterá-lo e todos os computadores na rede têm uma cópia instantânea do "livro".
Isto faz com que seja inviável forjar retroativamente o livro-razão, fazendo da blockchain a plataforma segura para controlar as emissões dos NFT e das atuais criptomoedas. E só não é já totalmente usada para assegurar a validade da moeda "tradicional" porque o poder político não quer (ou não percebe a potencialidade da tecnologia).
Seja como for, esta distinção entre moedas "virtuais" e moedas "verdadeiras" é, convenhamos, cada vez mais tonta.
Hoje em dia, todas as moedas são, na realidade, virtuais. Não é por termos umas notas de Euro no bolso que esta moeda é mais real do que a Bitcoin.
O valor do Euro é atingido em mercado, face às outras divisas. Tal como o valor da Bitcoin. Sim, ao contrário do que acontece com aquela criptomoeda, existe um BCE que age no mercado e tenta controlar o seu valor, mas mesmo a sua capacidade de intervenção é limitada.
Já aconteceu -- e voltará a acontecer -- outros players do mercado (o mais famoso foi Warren Buffet, no início do século) agirem contra os interesses dos bancos centrais e vencerem, fazendo a divisa valorizar ou desvalorizar, consoante o contexto. Isto é perfeitamente normal.
Todas as divisas, hoje, são virtuais. O seu poder (de compra) existe porque a sociedade, cada um de nós, acredita -- aceita -- que ela o tem.
Ainda na semana passada Elon Musk anunciou que a Tesla passaria a aceitar criptomoeda na compra dos seus automóveis.
A confiança é a base da economia. Não o poder político. O interesse do comprador em comprar, do vendedor em vender. O encontro de vontades e a boa-fé das partes. Sem isto, não há atividade económica e, no limite, não há sociedade. Todas as experiências de economia dirigida falharam e por alguma razão foi.
Quanto à moda de comprar NFT, aparentemente os novos milionários já se estão a fartar (os preços caíram 70% segundo a CNN). Era previsível que tal acontecesse. Este tipo de compradores são pessoas que têm um attention span normalmente curto e esta moda está já a ir pelo caminho do tamagotchi.
Isto até chegar a próxima bolha. Estou desejando de ver qual será!