Da tentação proteccionista

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Ao longo dos anos, existiram períodos de dominância proteccionista e períodos de liberalização do comércio internacional.

Autores como William Cline explicaram que existe uma correlação positiva entre as fases de liberalização do comércio e o crescimento mais intenso da economia mundial, tendo as fases proteccionistas experimentado uma desaceleração não só do volume do comércio internacional, como também do próprio crescimento das economias, em geral.

Importa, todavia, reconhecer que, em certos contextos conjunturais ou mesmo em certas fases específicas do desenvolvimento das economias, pode justificar-se o recurso temporário a modelos proteccionistas, convencionalmente designados por modelos de substituição de importações.

Sendo certo que, em muitos casos, esses modelos se inspiram numa concepção nacionalista exacerbada do funcionamento da economia, o recurso ao proteccionismo pode explicar-se a partir da ideia da criação de um sector moderno com base na aplicação de tarifas a empresas estrangeiras concorrentes, tendo em vista evitar a destruição de “empresas nascentes” num dado país por parte de empresas de outros países com maior capacidade competitiva.

Por outras palavras, se quisermos que surja um sector moderno numa economia comparativamente subdesenvolvida, temos de proteger as “indústrias nascentes” da concorrência externa, ainda que temporariamente.

Aos modelos de substituição de importações está subjacente a ideia de que é preferível uma “colonização pelo investimento directo estrangeiro” do que uma “colonização por via do comércio externo”.

Se, por exemplo, quisermos que haja em Angola cerveja de boa qualidade é preferível convencer a empresa produtora de cerveja Sagres a investir numa unidade empresarial naquele país do que liberalizar as importações de cerveja Sagres para o mesmo. Sempre se cria valor e emprego em Angola.

Em alguns casos, o modelo de substituição de importações permite atingir o “shortage point” “à la Ranis e Fei”, i.e., permite o aparecimento de um sector moderno competitivo à escala internacional, bem como de uma classe média forte e, portanto, de um mercado endógeno que sirva de suporte a um crescimento económico mais sustentado.

Foi o que Getúlio Vargas tentou e que Juscelino Kubitschek e Delfim Neto conseguiram, em certa medida, no Brasil, estes dois últimos nas décadas de 60 e de 70 do século passado - Kubitschek em democracia e Delfim Neto em ditadura militar.

Todavia, a perpetuação de políticas proteccionistas desincentiva à inovação e pode gerar um “ciclo infernal” de inflação-desvalorização-inflação, uma vez que a aplicação de tarifas conduz sempre a uma inflação importada, que leva a um aumento do nível geral de preços e que tem repercussões nas estruturas de custos das empresas, gerando, inclusive, um aumento dos preços de exportação.

Para se manter a competitividade externa será necessário desvalorizar a moeda, o que provoca nova inflação importada, o que induzirá aumento do nível geral de preços, acréscimo dos custos e, portanto, nova desvalorização da moeda.

Uma evolução neste sentido tem sempre um impacto negativo na componente psicológica do investimento ao nível dos agentes económicos internacionais, com efeitos negativos no IDE-Investimento Directo Estrangeiro, dado que a inflação é geradora de instabilidade cambial.

Para os Less Developed Countries poderá ser mesmo impeditiva do rompimento do “círculo vicioso da pobreza”.

O ideal num processo de transição que passe por um modelo de substituição de importações é que o mesmo seja aplicado temporariamente (por exemplo, durante 5 a 10 anos), evoluindo gradualmente para um modelo de especialização industrial e de diversificação de serviços (ou, em alguns casos, para um modelo de desenvolvimento equilibrado) “à la Hollis Chenery”.

Foi, aliás, o que sucedeu com Portugal, que evoluiu de um modelo proteccionista, nos anos 50, para um modelo de especialização industrial e de diversificação de serviços, a partir dos anos 60-70, com a negociação do Acordo EFTA e, mais tarde, do Acordo de Comércio Livre com a CEE.

Ainda que com dirigentes que, com todos os defeitos que tinham, eram nacionalistas, mas não eram populistas, não pertenciam ao campo da democracia, mas eram mais esclarecidos do que alguns novos nacionalistas radicais que por aqui andam e que endeusam Trump e abominam a UE.

Nem mais, nem menos…

Economista e professor universitário

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