Da Megalopolis à Magalopolis

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No seu último filme, Megalopolis, Coppola, o mágico criador do Apocalipse Now e da trilogia dos Padrinhos, parte de uma Nova-Roma imaginária para criticar a América do presente. Não é particularmente bem-sucedido. Apesar das belas imagens futuristas, da pujança de alguns delírios e dos bacanais decadentes com cortesãs vistosas e velhos sátiros, o filme não convence.  

É uma colagem de cenas inconsequentes e anacrónicas, plena de simbologia caótica, de que só resultam algumas boas imagens e sequências, e que culminam num também inconsequente happy end, com o herói de Copolla, César Catilina, a casar com a filha do seu inimigo-mor, o conservador Franklin Cícero, Mayor de Nova Iorque, numa megacidade utópica ou distopicamente reconciliada através das suas elites.  

Inspiração histórica 

Marco Túlio Cícero (106-43 a.C.) e Lúcio Sérgio Catilina (108-62 a.C.) foram grandes inimigos. A narrativa prevalecente do conflito foi a de Cícero, com as suas célebres catilinárias – Quousque tandem abutere, Catilina, patientia nostra? “Até quando, Catilina, abusarás de nossa paciência?”, frase que até os “cábulas” do meu tempo sabiam de cor – e com a história de Salústio, também favorável ao príncipe dos oradores. 

Catilina vinha de uma família patrícia arruinada e endividou-se a concorrer ao consulado, perdendo a eleição contra Cícero em 63 a.C.. Tinha estado com Sila, outro patrício, nas guerras civis e gastara muito na campanha eleitoral (mas talvez não tanto como Kamala Harris, com os seus 1500 milhões de Dólares em 15 semanas: 100 milhões por semana em celebridades e concertos e quase 600 milhões “on producing and buying media”, segundo o New York Times).  

Apesar dos gastos, Catilina perdeu e, na derrota, decidiu passar a formas superiores de luta a partir da Etrúria, onde mobilizou um exército com os veteranos de Sila, uns tantos camponeses pobres e alguns dos seus companheiros de luta. Foi derrotado e morto na batalha de Pistóia. Entretanto, Cícero tinha-se apressado a mandar liquidar sumariamente um grupo de fiéis de Catilina que tinham ficado em Roma. Segundo um velho uso da República Romana, antes das execuções teria de haver um “apelo ao povo”, juiz supremo da vida ou morte; mas Cícero, através de um Senatus Consultus Ultimum, conseguiu executá-los sem apelo nem agravo. 

Se Catilina acabou mal, Cícero não acabaria melhor: seria executado por ordem de Marco António ao tentar fugir de Itália no segundo Triunvirato, por se ter oposto a Júlio César e ao mesmo Marco António. Também não iria ser muito bem tratado pelos historiadores romanos, que o acusariam de falta de integridade, de narcisismo e de se arvorar em “salvador da República”. Mommsen, o historiador oitocentista de Roma, classificá-lo-ia como “um jornalista, no pior sentido do termo.” 

Da Megalopolis à Magalopolis 

Foi nestas duas figuras históricas (entre muitas outras coisas, fragmentos e personagens) que Coppola se inspirou, chamando César Catilina ao utópico arquitecto que enfrenta as engrenagens do Mayor Cícero e arranjando um final feliz para a história.  Na figura secundária do patrício degenerado Claudio, que acaba, como Mussolini, morto e pendurado pelos pés, há nítidas bicadas a Donald Trump.   

Ironicamente, na vida real, a “figura secundária” de Coppola iria ser endossada para gerir a Megalopolis americana – com a promessa de a transformar numa Maga (Make America Great Again) lopolis. 

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