Da discrição à liderança de topo: o longo percurso das mulheres
Viveu-se um enredo de cultura e história da vida das mulheres, no seu longo período de invisibilidade, desde os séculos passados até ao início de um outro olhar sobre os seus direitos, que se dá com o 25 de abril de 1974. Contudo, perduram, ainda aos dias de hoje, resquícios de manuais de etiquetas e boas maneiras, que chamavam a atenção para a necessidade das mulheres se apresentarem como "discretas", pois chamar a atenção ou destacarem-se seria demasiado vulgar. Eventualmente podiam apresentar-se como "esclarecidas", desde que não pusessem de lado o seu papel bem definido enquanto mulher, esposa e mãe. Ou ainda como trabalhadoras (fora de casa), mas suficientemente discretas para não se tornarem uma ameaça ao papel do homem no mundo dos negócios. E, tudo isto, desde que não perdessem as suas "delicadezas" femininas.
Na busca do papel certo, da aparência e elegância certas e da personalidade certa, durante muitas gerações, as mulheres anularam-se na sombra do homem, de líderes ou de preconceitos, e muitas carreiras e promessas de carreira foram deixadas para trás.
Apesar das evoluções notadas, ainda hoje as mulheres têm vínculos mais precários e menos proteção face à possibilidade de desemprego. Curioso que quanto maior a qualificação das mulheres, por exemplo, quando integram quadros superiores nas empresas, maior é a diferença salarial face aos homens nas mesmas circunstâncias (próxima de 25%, segundo dados da OIT e do MTSS). Só por isso, ainda vale a pena celebrar o Dia Internacional da Mulher. Como forma de continuar a luta por mais justiça social.
Dados da Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género (CIG) descrevem a baixa representatividade de mulheres em cargos de gestão de topo, na generalidade do tecido empresarial português e nas empresas cotadas em Bolsa - respetivamente, apenas 13% integram cargos de Direção Geral e apenas 7% assumem o papel de CEO. Por outro lado, apesar dos setores social, da educação e da saúde estarem representados maioritariamente por mulheres (70%), apenas 25% exercem cargos de gestão e de liderança (dados da OMS).
O viés associado à forma como a mulher e as suas características são percecionadas e a diferença face às características comummente associadas aos líderes é muitas vezes desconsiderado, mas está presente em muitas organizações, tal como na sociedade. Por exemplo, um comportamento assertivo de um líder (homem) é muitas vezes considerado agressivo se o líder for uma mulher. Trazer isto à consciência de todos dentro de uma organização facilita a compreensão e o reconhecimento da liderança e permite que a mulher se foque mais no seu propósito de liderança.
O investimento claro das organizações em programas de conciliação vida pessoal e vida profissional, em horários e modelos mais flexíveis de trabalho, em práticas de promoção do desenvolvimento pessoal e profissional que podem passar pelo desenvolvimento do autocuidado, mentorias ou eventos de networking, ou em programas de desenvolvimento das lideranças. São apenas alguns dos exemplos que permitem às organizações estar um passo à frente, gerar mais oportunidades para mulheres e homens e demonstrar as boas práticas da sua organização para a igualdade de género.
Espero que muito brevemente não seja mais necessário celebrar o Dia Internacional das Mulheres, ter uma lei da igualdade remuneratória ou um mecanismo representativo de quotas. E espero que sejam também os homens a liderar esta transformação, como já tantos o têm feito, em cooperação com as mulheres. Assim a sombra desvende a luz!
Vice-Presidente da Ordem dos Psicólogos Portugueses