Da auto-reforma do capitalismo
Nem todos os sistemas económicos têm apresentado a mesma capacidade de auto-reforma.
O Sistema de Direcção-Central não apresentou a mesma capacidade de auto-reforma que o Sistema Capitalista, porque o mesmo nunca esteve associado à liberdade de expressão e de iniciativa, como à própria essência da democracia política.
O Capitalismo conheceu Keynes, assimilou alguns conceitos estruturalistas, bem como algumas ideias do que se convencionou designar por democracia industrial.
As experiências marxistas-leninistas nunca tiveram quem para elas pudesse ter estado como Keynes esteve para o Capitalismo Liberal.
O Capitalismo não só adoptou parte das teses Keynesianas, bem como, por vezes, alguns eixos condutores de políticas de inspiração estruturalista e as teses relativas à democracia industrial, designadamente no concernente à questão da representação das partes na gestão empresarial.
E, mais recentemente, tem-se vindo a constatar a tendência para a adopção de uma função-objectivo empresarial que não se reconduz à maximização do lucro ao longo do tempo de vida esperada do projecto empresarial, antes contando, também, com uma restrição, a saber, a da satisfação dos interesses do conjunto de stakeholders, que o mesmo é dizer, dos trabalhadores, dos clientes e fornecedores, para além de outras partes participantes na gestão empresarial.
Cada vez mais os gestores terão de estar ligados ao futuro da empresa, numa perspectiva de longo prazo, o que justifica que a sua remuneração venha a ser diferente, nomeadamente em relação aos “prémios de desempenho”, que não devem ser recebidos por inteiro em dinheiro, devendo uma parte da remuneração ser efectuada em acções e/ou em obrigações. Mesmo a parte da remuneração em dinheiro deveria ser concretizada ao longo de vários anos.
Tal permitirá uma maior ligação da tecnoestrutura empresarial ao futuro da empresa.
Por outro lado, diversos mecanismos de participação dos stakeholders na vida das empresas deverão ser, gradualmente, implementados, desde certas modalidades de cogestão, a conselhos consultivos que integrem representantes de fornecedores, até à existência de provedores de clientes.
Paralelamente, passou a ser prioritário que o sistema financeiro tenda a privilegiar investimentos de médio e longo prazos reprodutivos e sustentáveis, o que deverá levar os Bancos Centrais a incentivarem modalidades de financiamento por parte dos Bancos de Segunda Ordem a prazo mais dilatado e centrado em aplicações reprodutivas e de maior sustentabilidade.
Um outro aspecto a considerar terá que ver com a crescente (e desejável) relevância dos novos Bancos de Desenvolvimento que, em vários sectores, desde o energético ao dos transportes e da Defesa, financiem a construção de infraestruturas tidas como essenciais e, bem assim, de unidades produtivas integradoras de sectores estratégicos.
Para tal, é desejável privilegiar o planeamento estratégico regional, sectorial e global.
Sem planeamento estratégico não haverá, verdadeiramente, políticas desenvolvimentistas consistentes.
Toda esta evolução do Capitalismo seria desejável, mas existe a possibilidade de se conhecerem recuos no processo reformador do Sistema de Economia de Mercado.
A emergência de uma combinação de neo-liberalismo económico com políticas autoritárias, de inspiração populista/ demagógica e nacionalista, pode conduzir a importantes recuos, quer no atinente à liberalização do comércio, quer no que se refere à regulação e, mais especificamente, ao compliance, aplicados ao tecido empresarial.
Com o surgimento do “fenómeno Trump” e dos movimentos nacional-populistas na Europa e um pouco por todo o Mundo, é bem possível, que venha a surgir um “Interregno Medieval” em que passe a imperar a “Lei da Força”.
Compete a todos aqueles com espírito reformador lutar pelas suas convicções, pelos seus valores, procurando vencer novas formas de iniquidade e de totalitarismo, evitando-se que a nova geração venha a ser uma geração perdida.
Lutar até que a VOZ e a ESCRITA nos doam.
Nem mais, nem menos…
Economista e professor universitário
Escreve sem aplicação do novo Acordo Ortográfico