Da ausência de política económica
O Presidente Trump decidiu aumentar os direitos aduaneiros a quase todas as importações dos EUA com base em dois argumentos que conflituam entre si: a ideia de que vai contribuir para aumentar significativamente as receitas orçamentais e uma outra que consiste em ajudar a obter uma redução no desequilíbrio externo.
Utilizar o aumento de direitos aduaneiros para incrementar as receitas orçamentais é muito frequente em países subdesenvolvidos que não dispõem de outras fontes de receitas fiscais, não sendo, todavia, esse o caso dos EUA, ao que se saiba.
Utilizar esse mesmo instrumento de política macroeconómica para reduzir o défice da Balança Comercial e, por conseguinte, da Balança Corrente faz, à partida, algum sentido para uma economia como a americana, se nos esquecermos dos efeitos de retaliação e de que, tradicionalmente, os EUA conseguiam que as Balanças de Capitais (hoje em dia, Balança Financeira) apresentassem saldos positivos que permitiam que a Balança Básica de Pagamentos e a Balança de Operações Não Monetárias estivessem relativamente equilibradas ou, até mesmo, superavitárias.
Mas, o que o Presidente Trump parece esquecer é que só consegue dobrar ou triplicar as receitas provenientes de um aumento substancial dos direitos aduaneiros se a elasticidade procura-preço dos bens objecto desses direitos aduaneiros for rígida. E apresenta-se muito discutível que tal aconteça para a generalidade dos bens em causa.
Por outro lado, se a elasticidade procura-preço desses bens fosse rígida, não se conseguia, então, atingir o segundo objectivo, uma vez que as respectivas importações não diminuíam e, portanto, não se produzia a redução pretendida no défice da Balança Comercial bilateral.
Logo, trata-se de pretender atingir dois objectivos que são contraditórios.
Por outro lado, na linha das teses nacionalistas exacerbadas ou dos modelos “socialistas anti-imperialistas”, advoga Trump a implementação de um Modelo de Substituição de Importações, convencido que está da possibilidade de substituir importações por produção nacional, com a ajuda do Investimento Directo Estrangeiro ou recuperando Investimento Americano no Exterior.
Os ricardianos, com os desenvolvimentos analíticos de autores como Heckscher e Ohlin, demonstraram que uma economia deve especializar-se na produção de bens e serviços em que experimenta maiores vantagens comparativas dinâmicas e não na produção de todos os bens e serviços existentes no Universo.
Logo, é utópico, por maior que seja a dimensão de uma economia, pensar-se na sua auto-suficiência.
Acontece, ainda, que não é fácil deslocalizar empresas que estão no Continente Asiático ou no Continente Europeu ou, até mesmo, no Canadá num ano ou dois sem se resolver previamente os seguintes problemas:
- como proceder a essa transferência quando existem estruturas industriais sub-aproveitadas em trinta ou mais por cento do potencial de capacidade produtiva instalada em certos sectores, mas existem outros sectores em que não existe capacidade produtiva por utilizar?
- como conseguir esse “impulso” de investimento do exterior, sem que se disponha de um ordenamento do território que permita aos investidores saber quais as regiões que representam melhores oportunidades de negócio, num ou dois anos?
- como obter uma resposta positiva dos agentes investidores sem se explicar quais os incentivos fiscais e financeiros que poderão vir a obter que levem os decisores a optarem pela deslocalização?
- quais os efeitos, no curto e médio prazos, ao nível da inflação interna e nos sectores produtivos que, entretanto, venham a ser afectados pelo incremento dos preços dos insumos intermédios?
Alguns teóricos - porventura empenhados em encontrar algo explicável nas teses inexplicáveis do Presidente Trump - admitem a possibilidade de utilização de “preços de transferência” das multinacionais, que tentariam reduzir ao máximo os preços de origem (deixando de produzir lucros nos países em que certas unidades se localizariam), acumulando “margens” no país de destino.
Não faz qualquer sentido.
Em primeiro lugar, porque grande parte dessas margens seria absorvida pelos direitos aduaneiros.
Em segundo lugar, porque bastaria que a tributação sobre os lucros no país de origem fosse inferior à tributação sobre os lucros no país de destino para que não houvesse interesse na adopção dessa metodologia.
A metodologia dos “preços de transferência” é, sobretudo, utilizada para empolar os preços no país de origem, por forma a que uma grande parte da “margem de lucro” fique logo retida na unidade empresarial que fornece os insumos intermédios essenciais à unidade do país de destino.
Em resumo, o Presidente Trump deve ir ouvindo algumas teorias que lhe vão sendo apresentadas avulso, as quais não se integram num conjunto que apresente “lógica interna”, sendo contraditórias entre si e não ajudando a solucionar os problemas com que se confronta a economia americana.
É um mau Presidente na política e um razoável ignorante na economia.
Nem mais, nem menos…
Economista e professor universitário. Escreve sem aplicação do novo Acordo Ortográfico