Da abordagem Integrada à abordagem Transaccional

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Em 1998/99, com James Wolfensohn, Presidente do Grupo do Banco Mundial, começou-se a defender uma abordagem integrada e integradora da política de cooperação, a qual viria a ser designada de abordagem CDF – “Comprehensive Development Framework”.

Uma política de integração deveria ser integradora de sete áreas de intervenção e de quatro níveis de acompanhamento, sendo que as sete áreas de intervenção deveriam corresponder à “Good Governance”, a uma Justiça Forte e Independente, a um Sistema Financeiro Consistente, à Educação, à Saúde, a um conjunto Relevante de Infraestruturas de Enquadramento e à defesa do Meio-Ambiente.

A uma intervenção concertada (entre doadores e beneficiários da política de cooperação) que integrasse estas sete áreas podíamos dar a designação de CAS - “Country Assistance Strategy”, à qual estaria subjacente uma estratégia conducente a um desenvolvimento potencialmente sustentável de uma economia.

Quanto aos quatro níveis de acompanhamento seria necessário considerar a Negociação da Dívida ( Interna e Externa) , tornando-se essencial criar um Trust Fund que permitisse reduzir os níveis de dívida existentes, bem como um bom acompanhamento da Política Macroeconómica ( com concomitante criação de uma Facilidade de Crédito), a definição de uma política consistente de Ajustamento Estrutural ( com a criação de um Fundo de Apoio à Reestruturação da Economia) e a concretização de Reformas Estruturais.

E ou havia acordo entre doadores e beneficiários quanto às sobreditas áreas de intervenção e quanto aos supra-mencionados níveis de acompanhamento e a ajuda ao desenvolvimento concretizava-se, ou não havia acordo e não se concretizava qualquer tipo de ajuda ao desenvolvimento.

A esta concepção integrada de cooperação a China pretendeu contrapor (hoje em dia em alinhamento com alguns BRICS, incluindo, naturalmente, a Federação Russa e sabe-se lá algum outro país que venha a mudar de “campo político”) a abordagem Transaccional.

De acordo com esta abordagem, não se condiciona a política de cooperação a uma “Boa Governance”, contra a corrupção, a uma boa política macroeconómica ou a reformas institucionais. Aliás, se existir discriminação entre o Homem e a Mulher, se os Direitos Humanos não forem respeitados, os países financiadores não terão nada a ver com isso, uma vez que são insensíveis a essa problemática.

Apenas pretenderão receber contrapartidas em matérias-primas, por exemplo.

E se, porventura, não forem atempadamente ressarcidos dos seus financiamentos estarão dispostos a negociar a obtenção da gestão de um porto do país beneficiário do financiamento ou a obtenção de uma base militar num local estratégico a estudar entre as partes.

Nada de mais simpático, senão mesmo de generoso.

Em certos meios criou-se a ideia de que a abordagem integrada deveria ser “amplamente condenada”, uma vez que se tratava de uma manifesta ingerência na vida dos povos subdesenvolvidos.

Financiava-se, mas pretendia-se que houvesse liberdade de expressão nesses países, combate à corrupção, respeito pelos direitos humanos, incluindo eleições livres e aplicabilidade do princípio de separação de poderes, enfim, “uma vergonha”, questionando-se o apoio ao desenvolvimento de um país se o mesmo enveredasse por um regime totalitário hediondo em que, porventura, houvesse tortura e as mulheres fossem equiparadas a “animais domésticos pelos quais se tem um certo carinho”. Enfim, algo de inaceitável, segundo alguns.

Já os defensores da abordagem Transaccional, inspirados nas teses “realistas” e, portanto, na observância do princípio da “correlação de forças”, teriam uma postura muito mais pragmática, susceptível, aliás, de ser aceite pelo mais execrável dos líderes políticos.

E, hoje em dia, o que está a acontecer é não só a opção entre a abordagem integrada de cooperação e a abordagem Transaccional, como também entre os Sistemas Democráticos Liberais (em termos de Sistema Político) e os Sistemas Autoritários.

A opção, no Mundo de hoje, está entre a Democracia e o Totalitarismo, havendo, como em quase tudo, países híbridos que ainda não se definiram quanto às suas preferências, em termos de sociedade futura.

O que se disse comporta, necessariamente, casos de excepção, em que existirão circunstâncias particularizantes que explicam comportamentos, também eles, particularizantes.

Mas, enfim, em traços gerais, estes são os contornos principais que condicionam a evolução no Novo Mundo nos tempos mais próximos.

Trata-se da opção entre as teses “realistas” radicais e as que pretendem, ainda assim, que se afirmem alguns valores.

Nem mais, nem menos…

Economista e professor universitário. Escreve sem aplicação do novo Acordo Ortográfico

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