Cultura de Defesa e cultura estratégica em Portugal: realidades, desafios e ações

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Abordámos, em artigo de opinião anterior, a importância da existência duma Cultura de Defesa em Portugal, sólida e dinâmica, que ajude a robustecer a capacidade de resposta do País aos desafios securitários que se nos venham a colocar. E esses riscos e desafios, que se podem constituir como ameaças, são muitos e variados, como sabemos, e terão de ser resolvidos ao nível nacional ou no âmbito das organizações onde nos inserimos, em especial as de Defesa, como a Organização do Tratado do Atlântico Norte ou mesmo a União Europeia. As relações bilaterais são também importantes neste capítulo.

As questões relacionadas com o robustecimento da Cultura de Defesa envolvem um conjunto variado de atores da nossa sociedade, desde a população, vista de forma geral, mas, também, por faixas etárias e sociológicas (grupos sociais e profissionais diversos), a comunidade política e os seus atores, desde logo com os partidos políticos à cabeça, os atores ligados à Educação, nomeadamente a Academia, mas, também, todos os níveis do Ensino e, naturalmente, as Forças Armadas, como ator central das atividades da Defesa Nacional.

As relações civis-militares são um elemento fundamental para a perceção do estado da arte do nível de robustez desta Cultura de Defesa, porque esta relação é, talvez, o seu eixo central. Esta é uma área de estudo fundamental da sociologia para percebermos o grau de aceitabilidade e relevância das Forças Armadas pela população, pelos atores políticos e, naturalmente, pela própria Comunicação Social, que participa ativamente na mediação das ações inerentes a este relacionamento.

Existe uma história das relações civis-militares em Portugal, que não teremos tempo de aqui esmiuçar, mas que explicam muito o estado atual deste relacionamento. E é fundamental o grau de perceção e adesão do todo nacional aos valores da Identidade Nacional, da Cidadania, e claro da necessidade de informação, formação e reflexão sobre a existência e prática duma cultura estratégica, elemento também ele essencial à dita Cultura de Defesa.

De uma forma muito empírica, e sem grandes análises, temos a perceção, fundada em minha opinião, de que há muito a fazer nestas áreas, desde logo coisas tão práticas e simples como a necessidade dum conhecimento mais profundo, pelos portugueses, das suas Forças Armadas.

Nos tempos do Serviço Militar Obrigatório este conhecimento era mais fácil, mas hoje a percentagem de população que passa pelas Forças Armadas é muito mais reduzida. E esta é, naturalmente, uma linha de ação a aprofundar, com responsabilidades diretas das Forças Armadas (FAA) e do Poder Político, que as tutela.

Terão de ser atividades dinâmicas e permanentes, bem estruturadas e que valorizem o conhecimento exato das realidades, das dificuldades, e das missões e tarefas das FAA. Até para se desconstruírem alguns mitos que vão desde o “não fazem nada” até ao “são os únicos que podem pôr ordem nisto”.

Embora as dificuldades das nossas FAA sejam múltiplas e variadas, estas têm evoluído muito no sentido da modernidade e disso é preciso dar conhecimento público. É claro que esta evolução tem de continuar, e ser transparente, em áreas importantes como, entre outras: a responsabilidade e transparência sobre as ações das lideranças; as políticas de inclusão; a Ética e comportamentos no serviço; a segurança e saúde no trabalho; a agilidade organizacional; e a excelência da liderança e construção de equipas integradas e coesas. E esses desenvolvimentos têm de ser dados a conhecer aos portugueses, para uma perceção mais rigorosa das FAA que temos, e que queremos e podemos (devemos) ter. E é fundamental uma empatia da população sobre estes fatores.

Um relacionamento salutar e biunívoco, entre as FAA e a sociedade de onde emanam, em especial com a juventude, é um cimento e um identificador da qualidade da nossa cultura de Defesa.

Mas, além do relacionamento da população com as sua FAA, a dinamização da Cultura de Defesa exige de todos os atores que tenham uma cultura estratégica adequada, que se forja através do conhecimento, da educação e da formação. Aqui é fundamental o interesse e valorização destas atividades, onde os atores políticos têm um papel central nesta dinâmica, envolvendo todos os outros atores centrais do Sistema de Educação e formação, em projetos e programas nas áreas do conhecimento da estratégia, das relações internacionais, da política externa, da cidadania, dos nossos valores e da nossa cultura. Mas, também, apoiar e participar em iniciativas da sociedade civil e das instituições de ensino na reflexão sobre estas temáticas, que as realidades atuais nos dizem quão importantes são para o nosso futuro coletivo.

A Cultura de Defesa, como afirmámos anteriormente, é um elemento central da capacidade de resiliência nacional para vencermos, sozinhos ou com aliados e parceiros, os desafios que se nos colocam, se queremos manter o nosso modo de vida. Temos de aliar à vontade, a capacidade e o saber. A construção duma Cultura de Defesa séria e robusta, como elemento estruturante da capacidade de as nossas sociedades democráticas sobreviverem, tem de estar acima da espuma dos dias. E, neste contexto, atribuímos também um papel fundamental à Comunicação Social e a todo o sistema de mediação na construção desta cultura, que exige querer, saber e poder.

À semelhança de países parceiros e aliados (como é o caso da Espanha) também Portugal deveria construir um plano diretor da Cultura de Defesa ou da Segurança Nacional, que alinhasse as linhas de ação a seguir. A instabilidade internacional trouxe para nossas casas as questões da Paz e da Guerra e mostrou-nos que uma guerra na Europa não era impossível. Mas, quando vierem os tempos de tranquilidade, que todos ambicionamos, esperemos que todos tenhamos aprendido a lição de que a Defesa das nossas sociedades, dos seus valores e o seu sucesso estratégico, são preparados e organizados em tempos de paz. Depois, pode ser muito tarde ou com resultados muito catastróficos para nós ou para os que nos sucederem.

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