Cuidados a ter pelos aspirantes a frentistas
As notícias acerca da retumbante vitória da Nova Frente Popular, que travou a Reunião Nacional na segunda volta das Legislativas francesas, são cada vez mais exageradas. Desde 7 de julho prevalece o braço de ferro entre um bloco heterogéneo de deputados eleitos - muito deles sobretudo devido ao pragmatismo das desistências cruzadas em círculos uninominais e não pelos seus méritos - e o presidente Emmanuel Macron, que procura urdir uma solução governativa transversal ao planisfério partidário e que exclua os dois grandes blocos situados nos extremos da Assembleia Nacional.
Falando muito claro, Macron considera igualmente indesejável a presença no poder da Reunião Nacional, agora liderada por Jordan Bardella, mas tutelada por Marine Le Pen, e da França Insubmissa, criada pelo ex-socialista Jean-Luc Mélenchon, e agora coordenada por Manuel Bompard. Até porque Le Pen e Mélenchon estão de olhos postos no Palácio do Eliseu, nas Presidenciais de 2027 em que o atual chefe de Estado não se poderá recandidatar.
Um dos mais recentes desenvolvimentos numa história de avanços e recuos, com a vitória da Nova Frente Popular a aparentar ser cada vez mais pírrica, ao ponto de Yaël Braun-Pivet, do partido de Macron, ter sido reeleita presidente da Assembleia Nacional com os votos de outros centristas e dos restos da direita tradicional, teve laivos de bomba atómica: farto dos entraves de Macron, Mélenchon escreveu um artigo em que defende o processo de destituição do presidente se este se recusar a empossar a socialista Lucie Castets como primeira-ministra.
Face ao título Demitir o presidente em vez de nos submetermos, a própria Castets marcou distâncias em relação aos insubmissos parceiros de coligação. E nem faltou quem fizesse notar que o processo de destituição se torna particularmente difícil por exigir o voto de dois terços de uma Assembleia Nacional pulverizada.
Seja qual for o desfecho, resulta claro que tão árdua construção de um Governo da Nova Frente Popular não pode deixar de conter o entusiasmo com que, longe de França, muitos encararam os resultados de 7 de julho. As conversas entre partidos da esquerda portuguesa (e o PAN), numa conjuntura em que novo regresso antecipado às urnas não é impossível, terão sido inspiradas por um neofrentismo cujo perfume francês vai perdendo o aroma. Convém que tenham isso em conta.
Ainda que a esquerda portuguesa tenha muito presente na memória a experiência da geringonça, convém recordar que, além do talento político de António Costa, não houve participação dos parceiros na governação socialista e a soma de PS, Bloco de Esquerda, PCP e PEV bastaram para assegurar maioria na Assembleia da República. Caso assim não fosse, não haveria frentismo que pudesse resistir a eventuais pressões presidenciais para excluir estes ou aqueles, quem fosse demasiado insubmisso.
Grande repórter do Diário de Notícias