Crónica de uma maioria não anunciada

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A noite eleitoral foi pródiga em surpresas. A maior, obviamente, foi a maioria absoluta do PS. A segunda foi o resultado extremamente baixo do PSD.

O resultado do PS tem explicações simples.

Começa com a penalização de BE e PCP pelo chumbo do Orçamento. Qualquer pessoa com ligação à realidade do país sabia que ambos, mas sobretudo o BE, seriam seriamente castigados por essa decisão. Os seus eleitores queriam que PCP e BE contribuíssem para soluções à esquerda, influenciando a governação PS, não que derrubassem o governo. Prevaleceu nos dirigentes o purismo ideológico, a lógica confrontacional de outros tempos. Os eleitores não os acompanharam.

A segunda explicação é o voto útil à esquerda. Perante a possibilidade de o PSD poder ganhar as eleições, muitos eleitores de esquerda decidiram confiar os seus votos ao único partido que poderia assegurar uma governação à esquerda. Ainda para mais, António Costa tem uma história de diálogo e abertura à esquerda e os seus governos trouxeram importantes avanços sociais. Não foi preciso "tapar um olho", como Cunhal havia sugerido para os comunistas votarem em Soares.

Em terceiro lugar, ao mesmo tempo que conquistou votos à esquerda, o PS não alienou o centro.

Embora governando com uma orientação de esquerda - aumento de rendimentos das pessoas e investimento nos serviços públicos -, os governos de António Costa nunca perderam de vista objetivos muito caros ao centro e à direita: a economia e boa gestão das contas públicas. A verdade é que foi nestes anos que, pela primeira vez neste século, o país cresceu mais do que os parceiros europeus e, facto inédito desde o 25 de Abril, o Estado conseguiu um saldo orçamental positivo.

Ganhando a esquerda e mantendo o centro, a vitória do PS era inevitável. Mas a maioria absoluta só foi possível porque o bom resultado do PS foi concomitante com o péssimo do PSD. A diferença entre os dois - mais de 12%, quase 670 mil votos - permitiu que o PS conquistasse mais deputados em vários círculos eleitorais que foram essenciais para a maioria absoluta.

Em parte, o mau desempenho do PSD tem causas estruturais. A emergência de concorrência à sua direita retirou-lhe espaço de manobra e dividiu o eleitorado "não socialista", como gostam de dizer. Mas a responsabilidade reside também nas más decisões estratégicas do PSD.

Ao mesmo tempo que se tentava posicionar ao centro, recusando, por exemplo, uma coligação pré-eleitoral com o CDS (que lhe custou vários deputados), ao considerar o Chega uma solução possível para atingir o poder, Rio atravessou uma linha vermelha que alienou muitos dos seus potenciais eleitores do centro, muitos dos quais distantes da política, mas não da decência democrática. As evasivas em que sempre se refugiou - insistindo que não levaria o Chega para o governo, mas nunca rejeitando negociações e acordos - não convenceram ninguém. Era óbvio que, perante a necessidade, faria algum acordo. Tal como tinha feito nos Açores.

Perdido o centro para o PS, Rio poderia ter apelado à direita. Mas a sua insistência, meramente tática, de que o PSD era um partido de centro, alienava também os eleitores de direita, facilitando o crescimento do Chega e da IL.

Perante a derrota eleitoral, lamentou não ter federado a direita. Caído o pano da noite eleitoral, caiu também a máscara.

18 VALORES
António Costa

Ao fim de seis anos de governação e dois de pandemia, uma vitória absolutamente extraordinária de António Costa e do PS.

Eurodeputado

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