Creio em um só deus
Este ano de 2025 está cheio de efemérides importantes, tanto que, às vezes, nos esquecemos das principais. Foi o que me aconteceu com o dia 19 de Junho, os 1700 anos do Concílio de Niceia (hoje Iznik na Turquia). Deste primeiro concílio ecuménico, convocado para discutir e condenar a heresia de Ário, nasceu o Credo, o núcleo duro de verdades da Fé que ainda hoje repetimos na missa.
Ário de Alexandria (256-336) nasceu na província de Cirenaica do Império Romano, hoje território da Líbia. Ário divergia dos trinitários quanto à natureza de Cristo: enquanto para os trinitários - e depois para a ortodoxia cristã - Deus era Pai, Filho e Espírito Santo, e por isso Cristo era Deus, um Deus filho de Deus que encarnava e se fazia Homem, para os arianistas Cristo não era Deus. Era Filho primogénito de um Deus que o criara superior ao resto da Humanidade, mas não era “consubstancial ao Pai”.
Os primeiros séculos do Cristianismo são marcados por constantes debates e polémicas religiosas, umas desde 313, ano do Edito e Milão sobre a liberdade religiosa dos cristãos. E em 325, Constantino, que não era ainda baptizado, convocou o primeiro concílio ecuménico, juntando mais de 300 bispos na cidade de Niceia. Deste concílio nasceu a condenação das teses de Ário e o Credo ou “Símbolo” do cristianismo.
Um dos defensores da ortodoxia e crítico de Ário era Santo Atanásio (296-373), Bispo de Alexandria e Doutor da Igreja, que esteve em Niceia como colaborador do Arcebispo Alexandre, a quem sucederia. A ideia de Constantino de convocar o Concílio era unificar a doutrina da Igreja, que deixara de ser perseguida no Império Romano.
O Credo de Niceia decidiu claramente a favor do trinitarismo - Deus-Pai, Deus-Filho, Deus-Espírito Santo, um só Deus em três pessoas distintas. Também ficou clara a plena divindade do Filho. Os arianos foram então excomungados e exilados e as obras de Ário simbolicamente queimadas. E o credo de Niceia, confirmado pelo Primeiro Concílio de Constantinopla, de 381, actualizou a ortodoxia cristã contra todas as outras heresias entretanto aparecidas.
O Credo que todos os domingos professamos na Missa é, em muito do seu conteúdo, uma resposta às dúvidas que o arianismo teria então levantado entre o povo cristão. No ano anterior, 324, Constantino derrotara Licínio, e em Niceia, graças também à facilitação de transporte pela logística constantiniana, estavam os mais eminentes prelados da Cristandade.
Dessa controversa jornada saía a “profissão de fé” que fez, em Junho, 1700 anos: “Deus de Deus, Luz da Luz, Deus verdadeiro de Deus verdadeiro, gerado e não criado…”; e, sobretudo, “Homoousios tou Patrós”, “consubstancial ao Pai”.
Em Niceia estavam também apoiantes de Ário, como os Eusébios, Eusébio de Cesareia e Eusébio de Nicomédia. Apesar de vencidos, os arianistas foram tratados com alguma benevolência, até porque foi entendido que a negação de Ário da divindade de Cristo vinha do seu “monoteísmo extremista”, incapaz de aceitar a unidade de Deus na pluralidade da Santíssima Trindade.
Apesar da multiplicidade de heresias e seitas surgidas no cristianismo, o Credo de Niceia permaneceu comum à Igreja Católica, às igrejas orientais e ortodoxas, russa e grega, e às igrejas que resultaram das grandes cisões protestantes do século XVI.
Sim, é no Credo de Niceia, no Credo dos Apóstolos, que encontramos esse ecumenismo espiritual e essencial, esse ecumenismo cristológico que faz com que muitos de nós possamos dizer em uníssono:
“Creio em um só Deus, Pai todo-poderoso
Criador do Céu e da Terra…”
Politólogo e escritor
O autor escreve de acordo com a antiga ortografia