Convite
Portugal vem-se distraindo entre notícias que ficam no domínio dos fait-divers ou do crime passional, de preferência com muito sangue, e uma certa vertigem quotidiana de comentário que, com demasiada frequência, tem os mesmos protagonistas a tomar posição à tarde, a fazer comentário político à hora dos telejornais e, nalguns casos limite, a comentar futebol quando a noite já vai alta.
São, certamente, atividades respeitáveis e, porventura, até bastante exigentes. Confesso que o que nelas me impressiona é a distância que, namaior parte dos casos, os oradores de serviço evidenciam relativamente ao país.
Atrever-me-ei a dizer, sem medo de errar, que muitos deles estarão mais familiarizados com o que se passa em Londres ou Nova Iorque (Paris não é hoje frequentável) do que com a realidade, as realidades, de Portugal.
Talvez conheçam Lisboa, ou, pelo menos, uma certa Lisboa. Ali entre as Avenidas Novas e São Bento. O Queirosiano Chiado foi pelo mesmo caminho de Paris.
Escreveu Fernando Rosas, a propósito do ambiente que se vivia na primeira década do Século XX: “Não se podia governar sem o apoio de Lisboa. Tudo se decidia aí, no centro por excelência da burocracia, do poder político, da intriga partidária, e aí se decretava para o resto do país.”
Não tenho a certeza que um século depois tenhamos mudado muito.
Por isso, o meu convite. Convite que dirijo a políticos, comentadores, opinion makers…
Convido-os a conhecer o país!
A verem os milhares de pessoas - pobres -, portugueses e imigrantes, que todos os dias chegam às estações de comboios e aos terminais rodoviários de Lisboa e Porto. Põem as cidades a funcionar e, à noite, retiram-se para os guetos que lhes destinámos.
A conhecer as zonas rurais do interior do país para perceberem como o Estado e as suas instituições abandonaram os territórios, as pessoas e, no limite, abdicaram de exercer a soberania.
A entrarem nos estabelecimentos comerciais das aldeias portuguesas que ainda resistem e a perceberem como é possível viver, sobreviver (?), com tão pouco.
A instalarem-se em vilas ou cidades de pequena dimensão e a tentarem encontrar uma escola de línguas para os filhos.
Ou, para não ser muito cansativo, a procurarem um emprego bem remunerado fora das grandes cidades.
Antes de nos bombardearem com análises, convinha perceber o objeto da análise. É quase como ter o resultado de análises clínicas antes da colheita.
Que temos dois milhões de pobres. Que, sem apoios sociais, teríamos cinco milhões de pobres. Que não há nenhuma comunidade que possa viver sem esperança, sem expectativa e sem acreditar que o futuro pode ser melhor que o presente.
Falar aos portugueses, e dos portugueses, sem os conhecer e sem conheceras suas dificuldades e angústias tem sido um erro fatal para a Democracia.
É essa a razão deste convite.
Vamos conhecer Portugal e os Portugueses. Os portugueses de hoje e não uma qualquer mirífica imagem que a nossa abstração foi construindo.
Advogado e gestor