Contradições

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Conforme tenho vindo a assinalar nos meus artigos, sou um adepto convicto do aumento das despesas com a Defesa e a Segurança no Orçamento do Estado do nosso querido país.

Mas, existem contradições que resultam de todo um processo recente que tem a sua génese na pretensão do Presidente Trump de que todos os Estados-membros da NATO aumentem as suas despesas na área da Defesa para 5% dos respectivos Produtos Internos Brutos.

Faz, de facto, sentido que o esforço a desenvolver no quadro da NATO tenha de ser, de alguma forma, partilhado por todos os Estados-membros, não devendo os EUA assumirem uma parcela manifestamente exagerada desse mesmo esforço.

Mas, solicitar um aumento de 2% para 5% do PIB só se justificaria se houvesse um perigo iminente de ataque à NATO ou a algum seu Estado-membro.

E não parece que esse perigo iminente venha do lado da China.

Parece, isso sim, que a haver esse perigo iminente venha do lado da Federação Russa, que ameaça, hoje em dia, poder avançar para as Repúblicas Bálticas ou para a própria Polónia se, entretanto, obtiver algum sucesso na Ucrânia.

Então, seria esse o perigo iminente…

Mas, o mesmo presidente Trump que entende ser essencial aumentar as despesas com a Defesa para 5% do PIB tem vindo a afirmar que tem uma boa relação com o presidente Putin, que a Federação Russa jamais teria a ousadia de atacar o que se convencionou designar de Ocidente com ele, Trump, na Presidência dos EUA e que não acredita que o Exército russo constitua uma ameaça para a NATO.

Até nos dá a ideia de que está mais do lado de Federação Russa do que da Ucrânia e até já votou com a Coreia do Norte contra os seus Aliados europeus.

Então, em que é que ficamos? Reforçamos os orçamentos dos Estados-membros da NATO quando a Federação Russa é “nossa amiga”, “não constituindo um perigo iminente para o Ocidente”?

Qual, então, o objectivo que se pretende atingir?

Qual é o perigo iminente? Ou, até mesmo, o perigo a prazo?

É que se o perigo para os EUA é, fundamentalmente, representado pela China, já para a Europa a situação se apresenta diferente: o perigo, a curto e médio prazos, é representado pela Federação Russa.

Logo, a Europa tem prioridades diferentes.

E até poderá compreender-se que os EUA considerem que a iminência da confrontação terá mais a ver com o Pacífico do que com a Europa, mas a NATO é a Organização do Tratado do Atlântico Norte e não a “Organização do Tratado da Paz para o Pacífico”.

E nesse caso competiria aos EUA a criação de uma organização orientada para o defesa da paz no Pacífico, na qual, aliás, até poderia haver a participação de países europeus, sendo, todavia, certo que faz mais sentido a Europa estar preocupada com o seu futuro próximo.

Parece, por conseguinte, contraditório que quem afirma estar pouco preocupado com a ameaça à Europa por parte do sr. Putin estabeleça como prioridade para os países europeus um aumento da despesa com a área da Defesa para 5% do PIB.

Porque, das duas uma, ou existe perigo iminente para a Europa e tal faz sentido, ou Putin é um amigo de confiança de Trump e a proposta apresentada não tem sentido.

Não pode ficar-se a meio caminho.

Senão, qualquer dia, os responsáveis pelas Forças Armadas da NATO reúnem-se e perguntam aos responsáveis políticos qual o propósito do reforço do Orçamento da Defesa. É para nos defendermos de quem? Qual o perigo a que estamos sujeitos, no curto e médio prazos?

Não é na Europa, é na Ásia? Então, é preciso criar-se uma nova organização em que, para além de alguns países europeus, entrem o Japão, a Austrália, a Nova Zelândia e, se possível, a Índia, para além dos próprios EUA.

O que jamais se justificará é gerir o problema da relevância da Defesa com a mesma ligeireza com que se tem passado de direitos aduaneiros de mais de 100% para 30 ou 40%, é, enfim, considerar um dia que Putin é um “amigo responsável” e noutro dia que é “um louco varrido”.

Quem assim procede não lidera bem nem o Ocidente, nem o seu país.

Quem assim procede destrói, dia-a-dia, os alicerces de uma aliança democrática de interesse histórico e, também, de importância no presente, minando a confiança dos seus aliados de outrora.

Seria útil não tratar os aliados subestimando-os e memorizando-os, a fim de que se seja merecedor de algum respeito e de alguma consideração.

Nem mais, nem menos…

Economista e professor universitário

Escreve sem aplicação do novo Acordo Ortográfico

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