Consequências da guerra
A guerra na Ucrânia continua, prolongada com os novos planos russos e sem muita lógica. Poder-se-ia esperar que uma superpotência, como é a Rússia, terminasse a guerra em questão de dias, para não entrar na catástrofe de mais e mais civis mortos, destruições, avanços e retiradas.
Mas a realidade é diferente. Toda a situação mostra sinais de um prolongado conflito militar, com os sucessos limitados do atacante, que o impedem de parar de lutar e reivindicar a vitória. Devido a este facto, a guerra está agora a multiplicar os seus efeitos inevitáveis em ambos os lados, claro que mais no atacante do que no defensor.
Também é óbvio que há mais de dois lados nesta confusão, alguns dos participantes estão lá não com soldados, mas com o armamento e o apoio político dados à Ucrânia. Ao mesmo tempo, este terrível conflito está a influenciar as relações em muitos campos, desde o comércio, a cooperação normal entre os países, a energia e também o equilíbrio militar no mundo, especialmente na Europa.
Antes da guerra, as relações entre a Rússia e a NATO eram frias, mas estáveis. As conversas sobre a inclusão da Ucrânia nos aliados militares ocidentais estavam presentes, mas ainda não tão concretas que constituíssem uma ameaça realista para o seu poderoso vizinho. Mas a guerra mudou tudo.
Agora, os especialistas da NATO tiveram uma oportunidade de ouro para avaliar todas as vantagens e desvantagens do exército russo em tempo real. Tudo ficou a descoberto - como foram cometidos os erros, como as ações militares foram planeadas e depois canceladas, qual é o objetivo da destruição dos alvos civis, como a propaganda está a funcionar internamente.
Este é um lado do problema russo. O outro é ainda mais complicado. É bem sabido que a NATO teve um problema com alguns países não dispostos a alocar mais verbas dos seus orçamentos a investimentos militares para o fortalecimento dos seus exércitos como parte das forças da Aliança Atlântica. Eles simplesmente não viam razão para tal e o dinheiro seria decididamente mais bem usado para outros fins mais visíveis para os eleitores, como qualquer outro governo faria. Agora, isso tinha de mudar.
Primeiro, alguns Estados-membros da NATO têm a preocupação de saber se estão suficientemente protegidos com a sua participação nesta aliança militar, pedindo mais armas e bases permanentes, como dissuasor para ameaças futuras. Para isso, os países têm de gastar mais dinheiro e o orçamento da NATO está a aumentar, com a ajuda dos russos. Em segundo lugar, há sinais de que alguns países não membros como a Suécia e a Finlândia estão a ponderar aderir à Aliança, o que não era mencionado antes da guerra, por causa da abordagem negativa russa e de razões políticas para não perturbar o equilíbrio criado. Agora, o equilíbrio acabou, a NATO pode expandir-se para a Escandinávia e os russos apenas podem lançar ameaças em todas as direções, enquanto continuam ocupados com os problemas no campo militar na Ucrânia. A potencial expansão da NATO é politicamente apoiada, ao ponto de poder acontecer no caso da Suécia e da Finlândia, pela primeira vez desde o estabelecimento da Aliança. Mais uma vez graças aos russos.
A situação económica na Europa, devido às fortes sanções contra a Rússia, terá de passar por dificuldades, principalmente no setor da energia, mas é óbvio que a longo prazo, o custo económico para o vendedor será maior do que para o comprador, porque o mercado energético asiático não absorverá todas as quantidades que se perderão na Europa. As sanções são lentas, não ameaçam ninguém imediatamente, mas a longo prazo podem ser muito devastadoras e podem produzir não apenas dificuldades económicas, mas também problemas políticos.
Esta é a realidade e é preciso levá-la em consideração, mesmo durante o processo de definição dos objetivos militares na guerra. A pior coisa que pode acontecer ao atacante no conflito militar é que os acontecimentos no terreno mudem constantemente os objetivos da guerra.
Antigo embaixador da Sérvia em Portugal e investigador do Centro de Estudos Internacionais do ISCTE