Conhecer para nunca esquecer
Há um ano, o Papa Francisco invocou este dia como o Dia da Consciência, colocando-o e a nós todos sob a inspiração do diplomata português Aristides de Sousa Mendes. Em 17 de junho de 1940, o então cônsul em Bordéus começou a atribuir maciça e indiscriminadamente vistos a pessoas que fugiam da ocupação nazi de França. Fê-lo em manifesta violação das ordens recebidas de Salazar, e por isso haveria de ser demitido e perseguido. Mas entendeu que devia obediência à sua própria consciência - e o que a sua consciência lhe ditava era contribuir para o salvamento do maior número possível de vidas humanas. Por isso tem toda a razão o Papa Francisco para considerar o dia 17 de junho como Dia da Consciência e escolher Aristides como seu patrono.
Para assinalar os 80 anos passados sobre a ação do cônsul, o governo decidiu lançar um projeto de comemoração que se estendesse ao longo de 2020 e 2021 e comportasse atividades de estudo e investigação, de educação e formação, de homenagem e reconhecimento institucional e de divulgação junto do grande público. É o projeto Nunca Esquecer - Programa Nacional em torno da Memória do Holocausto, comissariado por Marta Santos Pais, e envolvendo, além dos órgãos de soberania, escolas, centros de investigação, municípios e organizações da sociedade civil.
Este projeto apresenta, hoje, um contributo para o conhecimento público que reputo da maior importância. Trata-se de três livros da coleção "Essencial" da Imprensa Nacional: Aristides de Sousa Mendes, por Cláudia Ninhos; Os Salvadores Portugueses, por Margarida de Magalhães Ramalho; e Os Portugueses no Sistema Concentracionário do III Reich, pela equipa coordenada por Fernando Rosas.
O objetivo do projeto está contido no título: nunca esquecer o Holocausto. A memória é essencial para garantir que esse horror absoluto se não repita e, mais geralmente, para recusar e combater todas as formas de negar e violentar a dignidade da pessoa humana, como o racismo. Nunca devemos esquecer o extermínio nazi de seis milhões de judeus e o processo que conduziu a essa barbárie. Nunca devemos esquecer as outras vítimas do sistema concentracionário nazi. E nunca devemos esquecer os salvadores, isto é, aqueles que com a sua ação contribuíram para que fosse menor o número das vítimas.
Aristides de Sousa Mendes é hoje bem conhecido e reconhecido pelos portugueses. Mas o mesmo não acontece com outros salvadores, que também devemos homenagear e tomar por exemplo. Basta pensar em diplomatas como Sampaio Garrido e Teixeira Branquinho, ambos colocados em Budapeste, que aí salvaram muitas centenas de pessoas; ou no padre Joaquim Carreira, reitor do Colégio Pontifício em Roma, que deu abrigo a dezenas de judeus e antifascistas; ou na história comovedora do operário José de Brito Mendes, imigrado em Paris, e de sua mulher, que esconderam a filha dos judeus polacos vizinhos, com perigo da própria vida. Estes e outros, que ainda vamos identificando e conhecendo melhor, merecem a homenagem do país. E a melhor homenagem é saber o que fizeram, aprendendo com o que fizeram.
Por outro lado, investigações académicas recentes e em curso mostram também que centenas de portugueses foram vítimas do sistema concentracionário, isto é, dos campos de trabalho forçado, dos campos de prisioneiros de guerra ou dos campos de concentração e extermínio. E esse é um aspeto muito pouco sabido da opinião pública. Compatriotas nossos foram vítimas de Auschwitz, Dachau, Buchenwald, Mauthausen e outros lugares do terror, e a República não pode ignorá-lo.
Os livros que serão hoje apresentados procuram reparar estas falhas. São livros de bolso, obras de síntese e divulgação, cujo conteúdo ficará também a partir de hoje disponível gratuitamente, no sítio eletrónico da Imprensa Nacional. São instrumentos para termos consciência do que aconteceu, do muito que devemos aos salvadores e às vítimas, da nossa obrigação de educarmos as novas gerações no respeito pela dignidade humana, de sermos firmes contra as ideologias do ódio.
Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros