Competir, Suplantar, Responsabilizar

Publicado a
Atualizado a

Há dias, quando consultava no dicionário o significado de uma determinada palavra, deparei-me com a definição, enquanto verbo transitivo, de "competir", o que me fez pensar. Dizia então esse dicionário, que competir é "pretender suplantar em valor ou qualidade". E veio-me à cabeça que isso é um dos principais objetivos das nossas empresas, que estoicamente têm conseguido superar, dia após dia, as agruras das sucessivas crises que, teimosamente, se lhes atravessam no caminho.

E, ao contrário do que seria desejável, a Proposta de Lei do Orçamento do Estado para 2024 (OE), ainda em discussão na Assembleia da República, é muito tímida no alívio dessas agruras, é muito tímida no incentivo ao crescimento e muito tímida no que diz respeito ao progresso das empresas, e, por arrasto, da nossa economia.

Entretanto, eis que somos confrontados com a demissão do primeiro-ministro e, com ela, uma possível caducidade da Proposta de Lei do Orçamento do Estado. Se por um lado me preocupa muito o facto de entrarmos numa crise política, por outro, poderíamos ter uma oportunidade. A oportunidade de termos uma nova proposta, desta vez, mais condizente com as necessidades das nossas empresas e dos nossos negócios. Porém, de acordo com notícias de última hora o Presidente da República admite adiar a publicação dos decretos de demissão de Governo e de dissolução da Assembleia da República para depois de 29 de novembro, formalismo que permitirá salvar o Orçamento do Estado para 2024. Teremos de aguardar.

Mas uma coisa é certa, seria fundamental que a Proposta de Lei do OE desse cabal resposta às carências sentidas por quem mais contribui para o tal valor de que falava o dicionário, não podendo ir em contraciclo com o mérito que ainda no passado dia 31 de outubro, foi reconhecido pelo IAPMEI - Agência para a Competitividade e Inovação e o Turismo de Portugal, que atribuiu os prémios PME Excelência 2022 a perto de 4000 empresas nacionais do turismo, da indústria e do comércio e serviços.

A cerimónia, que se realizou em Santa Maria da Feira foi o reflexo não das medidas que deviam existir e ajudar as empresas a ser mais competitivas, mas antes do empenho e resiliência dos nossos empresários. E esse tão precioso impulso não se vislumbra na Proposta de Lei do OE 2024.

Questiono como será possível melhorar o rendimento das famílias se a carga fiscal no nosso país sobre os rendimentos do trabalho, que é a maior, e única, forma de rendimento da esmagadora maioria dos nossos trabalhadores, se mantém entre as mais elevadas da OCDE?

Para inverter este cenário é necessária uma redução da Taxa Social Única (TSU) paga por quem, todos os meses, tem de garantir os salários aos seus trabalhadores. E aqui está uma equação simples de resolver: reduzam-se os encargos fiscais e as empresas terão, com essa medida, maior capacidade para continuarem o esforço de melhoraria das condições salariais.

Com esta carga fiscal sobre o trabalho, parece-me óbvio que se compromete também qualquer tipo de iniciativa privada, seja nacional ou estrangeira, que busca para os seus investimentos as melhores condições, e Portugal não está, neste particular, na linha da frente, quer da atratividade, quer da competitividade.

Aqui chegados, como é então possível dizer-se que a Proposta de Lei apresentada protege o futuro quando, diariamente, "fogem" de Portugal os nossos talentos, precisamente devido à falta de competitividade, leia-se, melhores condições de trabalho, nomeadamente salariais?

Haja coragem para resolver mais esta equação, por exemplo, com uma isenção temporária de empresas e trabalhadores da cobrança de IRS e TSU para novos contratos de trabalho sem termo, para jovens à procura do primeiro emprego, e durante os primeiros cinco anos de vigência desses contratos.

Se a Proposta de Lei do OE2024 previu uma desaceleração da economia portuguesa em 2024, com o Produto Interno Bruto a crescer apenas 1,5%, não se tornará ainda mais urgente uma aposta em medidas que permitam maior criação de riqueza às empresas e às famílias em prol do futuro? Julgo que é isto que "compete" ao Estado, aos governos e a quem pensa nas propostas que vai apresentar ao país num Orçamento do Estado.

O verbo transitivo "competir" também quer dizer "ser da responsabilidade de ou da competência de". E é bom que o OE que vier a ser aprovado, seja ele qual for, possa fazer jus aos dois significados do dicionário. Que possa "apagar" este sentimento de que há muita coisa que não está bem no nosso país, e que pudesse ser o reflexo da competência do legislador e de quem discute as leis e que essas leis permitam a quem cria riqueza aumentar a sua competitividade e contribuir para o progresso da economia e do país. É pedir muito?

Secretária-geral da AHRESP - Associação da Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt