Como podem as escolas contribuir para a saúde mental das crianças e famílias?
É na Escola que, desde tempos imemoriais, as gerações mais novas adquirem os saberes acumulados pelas gerações que as precederam. Este processo educativo, de natureza intergeracional, é muito mais do que uma transmissão de conhecimentos. Na verdade, educar significa literalmente “direcionar para fora”, isto é, a Escola tem como missão conduzir as crianças/jovens para fora de si mesmas preparando-as para uma vida autónoma em comunidade. Para isso, as crianças/jovens têm que desenvolver o seu potencial humano de uma forma integral o que, para além da aquisição de conhecimentos, implica que sejam capazes de construir uma identidade sólida, de lidar com as adversidades, de respeitar os outros e de ter confiança no futuro. Portanto, podemos afirmar que o desenvolvimento da nossa Sociedade se mede pela qualidade de educação que oferecemos às nossas crianças e jovens.
Para além da qualidade da relação professor-aluno e do tipo de estratégias pedagógicas utilizadas, a eficácia do processo de ensino-aprendizagem depende, em larga medida, do bem-estar físico e mental das crianças/jovens. Estima-se que, nos países europeus, 5 a 6 crianças em cada sala de aula apresentam problemas de saúde mental e, durante a adolescência, esse número é ainda maior. Volvidos dois anos após o fim da pandemia, evidencia-se nas escolas um maior número de alunos ansiosos e tristes, com maiores níveis de imaturidade, inquietação, agressividade e individualismo. Os problemas de saúde mental nestas faixas etárias refletem-se em maior absentismo escolar e pior desempenho académico, o que pode agravar o sentimento de solidão, de isolamento e de falta de integração na comunidade escolar. No futuro, estas crianças serão adultos com maior probabilidade de apresentarem problemas de saúde mental e de estarem mais expostas a fenómenos de vulnerabilidade pessoal, económica e social.
A saúde mental das crianças/jovens é fortemente influenciada pelo ambiente escolar. Por exemplo, uma exagerada pressão académica imposta ao aluno ou o seu próprio desejo de atingir classificações muito elevadas pode ter um impacto negativo nos níveis de ansiedade, na autoestima e prejudicar o desenvolvimento de outros domínios importantes da sua vida.
As relações que uma criança/jovem estabelece com os seus colegas podem promover a sua autoconfiança e bem-estar ou, inversamente, induzir ansiedade, insegurança e perturbação emocional. Os fenómenos de violência, de exclusão e de bullying na escola podem ter graves consequências na saúde mental dos alunos que persistem durante a vida.
Assim, promover a saúde mental dos alunos e dos profissionais da educação deve ser uma prioridade do sistema educativo. Para isso, as escolas devem possuir um ambiente de aprendizagem inclusivo que promova o bem-estar emocional e que estimule a iniciativa e as competências dos alunos. Garantir que os professores/educadores estão motivados e apresentam bons níveis de saúde física e mental é o primeiro passo para que eles possam apoiar os seus alunos. Durante o processo de aprendizagem o reconhecimento das necessidades específicas de cada aluno e, quando necessário, a implementação das medidas de apoio apropriadas, incluindo apoios educativos e/ou psicológico, é fundamental para que o sucesso académico seja atingido sem comprometer a saúde mental. Educar crianças e jovens concretiza-se também através do estabelecimento de relações de confiança entre toda a comunidade escolar onde vigore um sentimento de segurança e onde as pessoas se respeitam e se valorizam mutuamente. Os fenómenos de intimidação, discriminação, ameaça ou violência devem ser ativamente reconhecidos, combatidos e avaliados de forma a estabelecer planos de intervenção apropriados. A interação saudável entre os alunos pode ser promovida, por exemplo, através de atividades desportivas, culturais e projetos de âmbito social.
Os problemas de saúde mental com origem no ambiente escolar manifestam-se
frequentemente em casa levando, por exemplo, a irritabilidade ou a comportamentos de oposição e agressividade em relação aos pais e irmãos. Inversamente, os problemas sentidos pela criança no ambiente familiar também têm impacto no seu trajeto escolar e de aprendizagem. Isso pode ocorrer designadamente quando as famílias enfrentam situações adversas de carência económica, violência doméstica, maus tratos, negligência, abandono ou migração forçada. Por isso, é importante que os professores/educadores e as famílias colaborem numa relação próxima para identificar problemas que possam surgir na vida quotidiana da criança em casa e na Escola. Esse trabalho regular entre a Escola e as famílias tem um impacto positivo no bem-estar emocional das crianças, na assiduidade e participação em atividades escolares, no comportamento, no sentimento de pertença à comunidade escolar e no seu percurso académico. Inversamente, a Escola pode ser uma fonte de esperança para as crianças e para as famílias mostrando-lhes que elas próprias possuem recursos únicos e pontos fortes que podem ser explorados e otimizados.
Reconhecendo que dar prioridade à saúde mental das crianças e jovens é um objetivo
partilhado pelos profissionais da educação, pelas famílias e pelos profissionais de saúde, a Universidade de Coimbra associou-se a um consórcio europeu para implementar em Portugal o Projeto Europeu “Let’s Talk About Children”. O projeto, iniciado em 2023, é dirigido a professores, educadores, outros profissionais da educação bem como profissionais de saúde e da área social, para que possam adquirir novas competências para trabalhar com as famílias, reconhecendo precocemente as suas necessidades psicossociais, contribuir para que a criança/jovem tenha uma vida quotidiana que favoreça o seu bem-estar, a sua aprendizagem e o seu desenvolvimento, e criar uma colaboração de apoio mútuo entre a família, criança/jovem, os profissionais de saúde e de educação. Estamos certos de que esta
abordagem multifatorial irá conduzir a uma modificação gradual e sistémica no modo de atuação dos profissionais e das próprias instituições para que, em articulação próxima, consigam dar respostas cada vez mais eficazes aos desafios presentes e futuros.
Ana Maria Moniz
(Professora de Educação Especial, Agrupamento de Escolas Fernão do Pó
/ Vencedora do Global Teacher Prize Portugal 2023)
Mariana Carvalho
(Presidente da Confederação Nacional das Associações de Pais
(CONFAP))
Joaquim Cerejeira
(Professor de Psiquiatria, Faculdade de Medicina da Universidade de
Coimbra/ Coordenador do projeto Let’s Talk About Children em Portugal)