Como o domínio reservado do Estado fortalece também a autonomia das regiões
Tenho defendido publicamente que a segurança no seu conceito alargado, deve, para além das abordagens ligadas à da Defesa Nacional, integrar os conceitos de “security” e “safety” (entendidas como “segurança interna” e “proteção e socorro”), numa abordagem amplificada da Segurança como um dos fins teleológicos do moderno Estado democrático, fundamental para garantir uma proteção abrangente, igual e eficaz de todos os cidadãos e da sociedade como um todo. Este deve ser um objetivo final do Estado, uma vez que todas as funções e atividades conexas são, em última análise, direcionadas para garantir a segurança dos cidadãos, independentemente de viverem no continente ou nas Regiões Autónomas.
Isso inclui a proteção contra ameaças internas e externas, a manutenção da lei e da ordem, a defesa nacional, a segurança pública e as questões relacionadas com a proteção e bem-estar das pessoas, ou seja, do âmbito da proteção civil. Portanto, a segurança assim entendida, reflete a ideia holística de que a principal responsabilidade do Estado Central é garantir a segurança dos seus cidadãos e da sociedade como um todo indivisível, independentemente dos espaços geográficos onde habitem, criando e mantendo as condições necessárias para o progresso, o desenvolvimento e o bem-estar de forma pacífica e organizada.
Isto leva-nos para a materialização de uma abordagem das políticas públicas, em que há um núcleo que consubstancia um domínio reservado do Estado que não deverá ser alienado, por forma a preservar o próprio Estado de situações e crises complexas que possam reduzir a sua capacidade de resiliência, mesmo que se trate das Regiões Administrativamente Autonómicas.
A segurança, neste conceito alargado, está definitivamente dentro desse domínio reservado que fortalece a capacidade do Estado Central em assegurar o desenvolvimento e bem-estar dos seus cidadãos. Aliás, vários pensadores defenderam a necessidade de um Estado Central forte e robusto, especialmente aqueles que veem o Estado como uma entidade indispensável para garantir a Justiça e a Segurança. Thomas Hobbes, Jean Bodin, Niccolò Machiavelli, Friedrich Hegel, só para citar alguns, compartilham essa ideia de que, em determinadas condições, um Estado centralizado e forte é essencial para garantir a estabilidade social e a segurança coletiva, embora eu admita que as justificações genéticas de cada um deles possam ter bases e finalidades diversas, algumas até discutíveis. E até Friedrich Nietzsche, não-defensor direto de um Estado forte, criticou o que via como a fraqueza da sociedade moderna e a sua tendência para a divisão de responsabilidades.
Defendo também que as autonomias regionais fortalecem o próprio Estado ao garantir a diversidade e a descentralização, promovendo a participação democrática e o desenvolvimento equitativo do País, contribuindo para um melhor equilíbrio entre o Governo Central e as Administrações Regionais. Isso significa que decisões importantes podem ser tomadas mais próximas dos cidadãos, refletindo melhor as necessidades locais e promovendo a identidade cultural e social das Regiões Autónomas, e é inegável que isso fortalece o sentimento de pertença e participação da população nas decisões que afetam suas vidas. E percebe-se que possa parecer um paradoxo afirmar que o fortalecimento do domínio reservado do Estado no que concerne às questões de segurança, possa fortalecer as Regiões Autónomas, já que esta centralização das funções essenciais do Estado, como a segurança lato sensu, pode, à primeira vista, parecer uma abordagem que limita a autonomia das Regiões Autónomas.
No entanto, acredito que é verdadeiramente um meio de fortalecer essas regiões. Senão vejamos:
• a centralização no âmbito da segurança permite uma alocação mais eficaz de recursos e capacidades. O Estado Central pode, com mais facilidade e recursos, investir em conhecimento, tecnologia, formação e equipamentos que podem ser mais difíceis de conseguir para as regiões isoladamente, garantindo que as suas estruturas ligadas à segurança, tenham a capacidade de responder a ameaças complexas atempadamente e de forma mais eficaz;
• uma abordagem centralizada da segurança pode facilitar a cooperação e a coordenação entre as diferentes entidades e agências, e isto é particularmente importante em situações de emergência, onde uma resposta rápida e coordenada é crucial. As Regiões Autónomas podem beneficiar de uma resposta mais eficiente e eficaz a crises, com suporte extra do Estado Central;
• a centralização das funções da segurança, pode promover um sentimento de unidade e Coesão Nacional, que é importante para Regiões Autónomas, e isso pode ajudar a reforçar a ligação das Regiões com o resto do país, sentindo-se parte de um todo mais amplo;
• o Estado Central pode e deve atuar como defensor dos interesses das regiões em questões de segurança, exponenciando-as e assegurando que as suas especificidades e necessidades sejam consideradas nas estratégias nacionais. Isso pode incluir a proteção dos recursos naturais e do turismo, que são vitais para as economias das regiões;
• esta centralização no domínio da segurança, permite o desenvolvimento de estruturas de resiliência que beneficiam não apenas a segurança, mas também a capacidade das regiões para enfrentarem desastres naturais, que são comuns nas ilhas. Isso implica trabalhar em planos de emergência regionais que possam ser apoiados logo de início por iniciativas nacionais quer em amplitude, quer continuadas no tempo;
• a centralização pode também facilitar programas de formação e capacitação para os agentes envolvidos na segurança das regiões, aumentando a eficácia e a confiança nas instituições locais, ao mesmo tempo que se integra um entendimento nacional da segurança como um domínio reservado do Estado;
• em situações de crise, como desastres naturais ou questões de segurança alargada, a centralização permite que o Estado Central reponha rapidamente os recursos e forneça apoio de emergência às Regiões Autónomas, o que pode salvar vidas e proteger património e infraestruturas.
Parece óbvio perceber que uma abordagem neste sentido, para além de dever estar sujeita a uma ampla discussão regional e nacional, é essencialmente uma opção política e não tanto administrativa ou técnica, mas muitas vezes, o estreitar da largura entre as opções políticas e as opções técnicas, no âmbito das políticas públicas, garante que estas passam a ser fundamentadas em dados, estudos e análises de impacto, reduzindo a margem para decisões arbitrárias ou motivadas por interesses particulares ou ideológicos. A transparência é também ampliada, pois as decisões baseadas em evidências podem ser explicadas e justificadas de maneira mais objetiva, o que reduz a opacidade, tendendo a ser mais robustas e adequadas para enfrentar desafios complexos, como crises ou gestão de riscos. O estreitar dessa largura, torna também as políticas públicas mais eficientes no uso de recursos, para além de aumentar a confiança dos cidadãos nas instituições, já que a população tende a ver o Governo como mais legítimo, pois percebe que as decisões são tomadas com base em conhecimentos especializados, e não em interesses. E esta legitimidade é crucial para a estabilidade social e política, diminuindo o espaço para debates excessivamente ideológicos ou polarizados.
Em resumo, esta centralização em termos securitários, pode numa análise simplista parecer restritiva, mas ela proporciona uma visão que fortalece a autonomia e a resiliência das Regiões Autónomas, promovendo uma abordagem de segurança que beneficia todos os cidadãos, independentemente do espaço geográfico onde habitam.
Na realidade não podemos escolher o sítio onde nascemos, mas temos todos o dever de procurar soluções de modo a proporcionar atempadamente a todos os cidadãos, as capacidades e as oportunidades que o Estado Central tem à sua disposição.
(Este artigo não vincula a ANEPC)