Como o cérebro lê a “sustentabilidade”
Viver numa fase de mudança profunda em que os conceitos, que em tempos acreditámos ser eternos, são postos em causa e novas abordagens começam a ser impostas, traz-nos um conjunto de sentimentos divergentes. Esses sentimentos são tanto mais resistentes à mudança, quanto mais confortáveis estamos no mundo que conhecemos, e quanto menos abertura temos à diferença e à evolução.
Evoluir significa estar sempre em desconforto, porque estamos constantemente inseguros ao realizar “coisas” pela primeira vez. Não é suposto estarmos todos em desconforto, pois obviamente não temos todos o perfil para tal, nem é possível termos a grande maioria da população a fazer sempre “coisas” novas. No entanto, atualmente, todas as empresas, grandes e PME, financeiras e não-financeiras, sentem-se desconfortáveis e inseguras com todas as mudanças que têm de fazer relativamente às exigências Europeias sobre o tipo de práticas ambientais, sociais e de governação que têm de existir nas organizações.
Podemos olhar para estas exigências de várias formas: como algo inoportuno, que vai reduzir os lucros a curto prazo dos acionistas, e que não faz sentido para a empresa, mas que, sendo obrigatório, teremos de cumprir o mínimo possível; ou como um processo de inovação, que vai ajudar a organização a ter um produto/serviço mais útil à sociedade, que vai contribuir para melhorar a sua gestão de risco, que vai ajudar a empresa a ter um impacto mais positivo na comunidade, mesmo que esses investimentos, que agora necessitam de ser realizados em pessoas e tecnologia, possam diminuir o lucro a curto prazo.
O ditado “quem tudo quer, tudo perde” poderia ser aplicado a este cenário, na medida em que quem tudo quer no curto prazo, ignorando os impactos futuros das decisões de hoje, tudo pode perder, se esses impactos também recaírem sobre si.
É para evitar esta obsessão com o curto prazo e com o “eu”, e para induzir as organizações a orientarem os seus negócios numa perspetiva de longo prazo e de “nós”, que as diretivas e regulamentos europeus foram criados.
Há quem diga que estas obrigações estão cheias de valores morais. Mas também a Teoria do Acionista que aprendemos na escola, e que tem sido implementada afincadamente nos últimos 50 anos, está cheia de valores morais. Mas a grande diferença é que o nosso cérebro está habituado aos valores morais da Teoria do Acionista, pois aprendemos essa “verdade” na universidade, habituámo-nos a ela e sentimo-nos confortáveis assim.
A Teoria do Acionista está cheia de valores associados a uma ética individualista, em que apenas o Estado é responsável por criar equidade e bem-estar nas populações.
Atualmente, os valores morais associados à regulação europeia em prol de uma gestão sustentável, estão associados a uma ética de cuidar, em que também as empresas são responsáveis por contribuir ativamente, e com consciência, para a equidade e bem-estar das populações.
O que há de errado com isto? Então porquê tanta oposição? Falta de visão? Não. Apenas uma coisa simples se passa: o nosso cérebro ainda não está habituado à ideia, e por isso lê-a como sendo “o inimigo”.