Como nos corre a vida?
Nos últimos dias foram divulgados relatórios de várias organizações internacionais que apontam para uma recuperação económica mais lenta do que previsto e para o agravamento de alguns fatores, nomeadamente, o aumento da inflação e a fragilidade das cadeias de valor globais. Mas sendo a economia uma ciência social - que influencia e é influenciada pelo comportamento das pessoas e das organizações - é crucial dedicar alguma atenção às implicações da pandemia no bem-estar social, sob pena de descurarmos o essencial na fase de recuperação económica: as pessoas. Vem isto a propósito de um relatório que o Centro WISE da OCDE publicou, há duas semanas, sobre a evolução do bem-estar nos primeiros quinze meses da pandemia. Algumas das conclusões comprovam o impacto muito significativo da pandemia na forma como vivemos, como trabalhamos e como nos relacionamos:
1. O excesso de mortes nos países da OCDE atingiu, em média 16%, originando uma redução em 7 meses da esperança média de vida, em 2020.
2. Apesar da mobilização de recursos financeiros de emergência, o número de horas trabalhadas caiu significativamente e uma em cada três pessoas reportou maiores dificuldades económicas.
3. O teletrabalho ajudou a proteger as pessoas com empregos altamente qualificados e mais bem pagos, mas não foi uma opção viável para a maioria dos trabalhadores. Os trabalhadores com menores rendimentos tiveram duas vezes maior probabilidade de parar de trabalhar e quase metade da probabilidade de teletrabalhar.
4. A subutilização do mercado de trabalho atingiu 17%, em 2020, e 13% dos jovens são nem-nem (não têm emprego, nem estão envolvidas em atividades de educação ou formação profissional), erodindo todos os ganhos obtidos desde a crise financeira de 2008.
5. Quase 25% da população dos países da OCDE apresentou, naquele período de 15 meses, sinais de depressão e de ansiedade. Os sentimentos de solidão e de alheamento aumentaram significativamente.
6. As medidas de confinamento, além dos efeitos causados pelo encerramento das escolas, agravaram as desigualdades de género no trabalho doméstico, assim como as situações de violência doméstica.
7. À medida que a pandemia foi avançando, o nível de cansaço das pessoas disparou. Em 2021, um terço das pessoas comunicou estar demasiado cansada para realizar as normais tarefas domésticas no final do dia de trabalho.
8. A pandemia afetou de forma desproporcional o bem-estar das mulheres. Estiveram na primeira linha do combate à pandemia, representando a larga maioria dos profissionais de saúde e de apoio social; foram mais penalizadas pelo acréscimo de trabalho não remunerado em casa; exibiram os níveis mais elevados de deterioração da saúde mental; e têm maior probabilidade de apresentar covid prolongado.
9. Enquanto que os jovens adultos foram os mais afetados pela perda de emprego, a população mais idosa, além de ter sido a mais penalizada em termos de saúde, foi quem mais sofreu com o isolamento imposto pelos vários períodos de confinamento total.
10. A confiança das pessoas nas instituições caiu significativamente. Em 2021, cerca de 33% das pessoas confessa-se desligada da sociedade e das instituições e a maioria da população considera que o seu país está mais dividido do que antes da pandemia.
11. E, num momento em que uma em cada cinco famílias europeias revela dificuldades em pagar as suas contas mensais e uma em cada sete espera perder o emprego nos próximos 3 meses, surgem novas pressões sobre o custo de vida associadas à inflação e ao aumento dos preços da energia e dos custos de habitação.
Estes dados demonstram que a pandemia produziu danos que transcendem largamente as dimensões económica e de saúde pública e, ainda que o bem-estar social esteja intrinsecamente relacionado com a situação económica dos países, a resposta terá de ser mais abrangente e estrutural do que uma mera leitura economicista. O Estado, não podendo e não devendo fazer tudo, não pode deixar de cumprir as suas indeclináveis obrigações no resgate do bem-estar social.
Diretor da Cooperação para o Desenvolvimento da OCDE