Como a falta de um conceito estratégico nacional contribui para um baixo investimento na Defesa e nas Forças Armadas
A baixa percentagem do Produto Interno Bruto (PIB) investido na Defesa e nas Forças Armadas (FFAA) da grande maioria dos países europeus é uma constatação. Ponto.
E é uma constatação que preocupa mais a Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO) e as sucessivas Administrações norte-americanas do que preocupa os cidadãos europeus. Talvez na base desse aparente alheamento europeu esteja a crença de que os EUA virão, se necessário, em defesa dos valores da independência democrática da “Velha Dama”, tal como fizeram no decurso da 1.ª e da 2.ª Guerra Mundial, onde morreram em território europeu quase meio milhão de cidadãos americanos.
Portugal não desalinha desse comportamento, acrescentando a posição geográfica afastada dos centros de conflito na Europa como mais uma razão que confirma a constatação. E a grande maioria dos portugueses vê a alocação de recursos para a área da Defesa Nacional mais como uma despesa do que como um investimento.
Mas as crenças e a geografia não explicam tudo. Há uma razão mais profunda que explica esse afastamento dos portugueses da sua Defesa Nacional e das suas FFAA. E essa razão relaciona-se com a falta de um conceito estratégico nacional (CEN), ou de uma estratégia nacional, como lhe queiram, com alguma liberdade, chamar, que indique as áreas fundamentais do Estado onde o desenvolvimento dos fatores críticos de sucesso para os seus objetivos vitais, tal como a Defesa Nacional, é inegociável. Não nos podemos esquecer de que, como refere a Teoria da Estratégia, os Estados, pelos seus objetivos importantes, estão dispostos a combater, mas pelos seus objetivos vitais estão dispostos a morrer. E a História mundial não se cansa de demonstrar isso.
Para mais fácil entendimento, uma estratégia nacional deve definir a forma de gerar, estruturar e aplicar os recursos do Estado por forma a salvaguardar os interesses nacionais nas diversas áreas da organização desse mesmo Estado. E nesta aceção percorre todo o arco de interesses, recursos e políticas nacionais, e não apenas os ligados à segurança e defesa, como erradamente muitas pessoas pensam.
E essa é a razão por que um CEN é de extrema importância para Portugal, pois, para além de ajudar a definir os objetivos nacionais, contribui para a definição de áreas de investimento e desenvolvimento que são críticas para a resiliência nacional, para a segurança do país e, em última análise, para a sua sobrevivência no panorama internacional. Ao definir linhas de ação estratégica e financeira em áreas vitais, tais como a segurança (nas componentes da Defesa Nacional e da segurança interna), a economia, a gestão dos recursos hídricos, a alimentação, as comunicações, o transporte, a energia, a saúde, identifica-as como fatores críticos de sucesso que garantem a proteção do território, da população e dos interesses nacionais.
Assim, um CEN:
Permite identificar as áreas críticas onde os investimentos são mais necessários para garantir a resiliência do país;
Contribui para alinhar recursos e esforços do governo e das várias instituições para garantir a segurança e bem-estar (fins teleológicos) do Estado, evitando duplicações;
Garante uma abordagem integrada e eficaz das áreas críticas definidas; Define claramente as prioridades para investimento e financiamento no arco de interesses e políticas nacionais;
Ajuda a garantir a soberania e a independência em várias áreas de interesses, fortalecendo e protegendo Portugal de riscos e ameaças.
Mas tão importante como definir em que aspetos a sua existência é essencial para ajudar ao investimento na Defesa Nacional e nas FFAA, importa, por oposição, mostrar em que aspetos a sua ausência contribui para essa falta de investimento. Assim, sem um CEN bem definido pode haver falta de clareza sobre os objetivos nacionais, e isso pode levar a indecisões sobre onde direcionar recursos e investimentos na resiliência do Estado. Isso tem como resultado alocações ineficientes de recursos e falta de investimento nas áreas mais críticas. E esta ausência dificulta a formação de consenso político em torno das necessidades críticas, pois daqui resultam debates intermináveis sobre a alocação de recursos e consequentes atrasos em investimentos necessários. E neste desiderato as FFAA são o exemplo acabado desses atrasos nos investimentos.
E, se não bastasse o que já foi dito sobre a necessidade de um CEN, acresce ainda que sem uma estratégia clara e abrangente a vários setores do Estado, e de longo prazo, é difícil para qualquer governo planear e executar investimentos públicos em capacidades críticas, podendo levar a decisões reativas, em vez de proativas, e que a longo prazo podem minar a resiliência nacional.
A construção de um CEN deverá ter por base um trabalho de análise que considere os seguintes fatores críticos:
1. Identidade nacional e interesses estratégicos: envolve a compreensão da identidade nacional de Portugal, seus valores, interesses estratégicos e sua posição no cenário internacional. A sua definição clara é fundamental para gerar, estruturar e aplicar os recursos em áreas consideradas essenciais para a segurança, bem-estar e resiliência do país;
2. Análise de ameaças e vulnerabilidades: é essencial realizar uma análise abrangente das ameaças e vulnerabilidades que podem afetar a segurança e a resiliência nacional. Isso inclui ameaças tradicionais, como agressões militares, bem como ameaças emergentes, como ataques cibernéticos, terrorismo, desastres naturais, posse de recursos, desestabilização dos setores produtivos, ameaças a cadeias de energia, comunicações e transporte, entre outros. A compreensão desses desafios ajuda a prioritizar os investimentos nas áreas mais críticas;
3. Capacidades estratégicas: capacidades essenciais que o Estado deve possuir para proteger os seus interesses e garantir a sua segurança e resiliência. Isso inclui as capacidades da produção, da força de trabalho, da defesa, da segurança interna, da cibersegurança, das informações (Intel), da resposta a crises e emergências, entre outras. Identificar as capacidades estratégicas necessárias é fundamental para definir os objetivos de investimento.
Por tudo o que referi anteriormente, acredito que a criação de um CEN é fundamental para orientar o futuro do país. Esse documento, depois de estruturado e validado politicamente na Assembleia da República, servirá como um guia que estabelece as diretrizes, objetivos e prioridades a longo prazo para o desenvolvimento do país em diversas áreas, como economia, política, segurança, educação, ciência e tecnologia, entre outras. E, acima de tudo, permitirá que o país defina uma visão de longo prazo para o seu desenvolvimento, estabelecendo metas e objetivos claros a serem alcançados ao longo de um período estabelecido, ajudará na coordenação e coerência das políticas públicas em diferentes áreas, garantindo que todas as iniciativas estejam alinhadas com os objetivos estratégicos definidos, e ajudará a promover a coesão e a unidade nacional, garantindo que todas as áreas-chave sejam consideradas nos processos de planeamento e desenvolvimento. E a Defesa Nacional e as FFAA, como áreas-chave que são, terão objetivos alinhados com o desenvolvimento do país e o consequente acesso a maiores investimentos, que concorram para um aumento da percentagem do PIB investido nas suas áreas. E no atual cenário global a NATO agradece.