Combater o pessimismo respeitando a ordem internacional

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Quem reconhece o valor da lei internacional, em particular o respeito pela dignidade das pessoas, encara este fim de ano com pessimismo. E com bastante preocupação com o que poderá acontecer em 2025, quando Donald Trump chegar novamente ao poder. Em simultâneo, vários ditadores, ao estilo de Vladimir Putin, parecem estar numa fase de consolidação da sua autoridade absoluta. Sem esquecer que a União Europeia inclui agora vários países em crise de governação, como é o caso da França e da Alemanha, bem como serve de palco à política absurda e corrupta praticada pelo primeiro-ministro da Hungria e ao que poderá resultar das eleições presidenciais romenas de 8 de dezembro. Mais ainda, outros países da UE mostram três importantes tendências negativas que se estão a afirmar no nosso espaço: o reforço dos partidos nacionalistas; o desnorteamento dos movimentos de esquerda; e o crescimento dos políticos incompetentes e medrosos, que voltaram a perceber que para fazer carreira é fundamental mostrar uma lealdade sem falhas ao chefe do seu agrupamento político. Digo agrupamento porque os principais partidos são agora meros grupos de egoísmos individuais, tendo perdido as dimensões ideológicas e o quadro de valores que tinham como ambição o progresso económico e a justiça social.

Também têm surgido notícias encorajantes. A acusação contra Benjamin Netanyahu, Yoav Gallant e de um quadro dirigente do grupo terrorista Hamas, e os mandados de prisão contra eles emitidos pelo Tribunal Penal Internacional, são acontecimentos positivos. E isso mesmo tendo em conta que apenas 21 dos 56 mandados de captura emitidos pelo TPI desde que foi estabelecido em 2002 resultaram em detenções. Levar com um carimbo desses na testa, como também aconteceu a Vladimir Putin ou ao antigo presidente do Sudão, Omar al-Bashir, evidencia que se trata de um fugitivo perante a lei internacional. Não é um título de honra.

Antes bem pelo contrário, significa que uma câmara de juízes independentes e da mais alta instância analisou cuidadosamente o processo e concluiu que havia matéria suficiente para procurar trazer o acusado perante o tribunal. Significa igualmente que os 124 países membros do TPI reconhecem a decisão e aceitam a obrigação legal de proceder, quando possível, à detenção do incriminado. Esta obrigação inclui ação aquando da passagem do acusado pelo espaço aéreo de um Estado membro. A aeronave que o transportar deverá ser forçada a aterrar e o indivíduo capturado e enviado para a Haia. Quem defende o respeito pela ordem internacional compreende e exige que assim seja.

Esta semana o TPI deu-nos uma outra notícia positiva, que reforça a lei internacional. O Procurador preparou um caso contra o General Min Aung Hlaing, o ditador que se apoderou do poder em Myanmar, antiga Birmânia. E requereu a emissão de um mandado de prisão contra ele, por crimes de genocídio praticados sob as suas ordens contra a minoria Rohingya do país, sobretudo em 2016 e 2017, anos em que ocorreram as maiores vagas de perseguições e de chacinas. Quem conseguiu escapar aos massacres refugiou-se no país vizinho, o Bangladesh. O êxodo em direção ao Bangladesh continua, agora em menor número, porque o objetivo principal de Min Aung Hlaing está praticamente conseguido: acabar com a etnia Rohingya em Myanmar. 

O país, cujo acompanhamento fez parte do meu portfolio durante os anos em que servi na administração da Fundação PeaceNexus, sediada na Suíça, tem vários grupos armados, que combatem a ditadura de Min Aung Hlaing. Essa ditadura agravou-se depois do golpe de Estado que o General organizou em 2021 contra a Prémio Nobel da Paz Aung San Suu Kyi , que ganhara de modo incontestável as eleições gerais de 2020. Suu Kyi está desde então detida num lugar secreto. E o General aprofundou as suas relações políticas e económicas com a China, que utiliza Myanmar como um dos corredores da Rota da Seda – tive a oportunidade de visitar um troço desse corredor, algo muito sensível e politicamente arriscado, graças à coragem das populações locais. Atravessa o país de alto a baixo, com linhas férreas, autoestradas e pipelines e termina num porto no sul de Myanmar. Permite à China um acesso direto à Baía de Bengala, no Oceano Índico, sem ter de perder semanas a contornar o Vietnam, o Golfo da Tailândia, Singapura e a Malásia. Ao atravessar Myanmar provocou o agravamento das guerras civis, a expropriação das terras indígenas, mas facilitou o acesso chinês a mercados importantes. A China dá como moeda de troca a proteção do regime de um dirigente que o TPI considera um possível monstro perante a lei internacional. Neste, como noutros casos, a conclusão é simples: a ordem internacional é sobretudo posta em causa pelas tiranias.

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