China Stream

Um mês depois do início da invasão russa da Ucrânia, há três coisas que parecemos ter aprendido. A integração económica levada à dependência torna-nos vulneráveis. Mas aos outros também. E a integração económica, as trocas comerciais e a criação de classes médias não garantem que não haverá guerra entre grandes parceiros comerciais. Resta saber o que faremos com estas lições. Sobretudo quando pensamos na China.

Nos anos que antecederam este conflito, os países Bálticos e da Europa de leste (exactamente os que agora estão a puxar as posições europeias) avisaram que os gasodutos que ligariam a Rússia à Alemanha (Nord Stream 1 e 2), sem passar pela Ucrânia (e pela Polónia, Eslováquia e República Checa), eram uma ameaça à sua segurança. A qualquer momento e a qualquer pretexto, a Rússia poderia fechar o gás a uns, mantendo o fornecimento aos alemães, que assim provavelmente se sentiriam menos forçados a ser solidários.

Pouco antes desta guerra começar, o presidente Biden praticamente obrigou o Chanceler alemão Olaf Scholtz a parar a conclusão do Nord Stream 2, que agora dificilmente regressará. Foi o primeiro sinal de que a dependência energética da Rússia era para inverter. Mas, à excepção de Zelensky e de alguns líderes do leste da Europa, ninguém sugeriu, realisticamente, fechar a torneira do Nord Stream 1. Nem do lado de cá, nem do lado de lá. Por enquanto. Porque até encontrar alternativas, sem gás russo a Europa passaria muito frio e produziria muito menos. E, portanto, ficaria rapidamente mais pobre.
Esta constatação é tão relevante para a relação com a Rússia como pode ser para a relação com a China, que não é um regime particularmente melhor que o russo. Apenas mais previsível, eventualmente. E contido.

Em 2019, num documento estratégico, pela primeira vez a União Europeia considerou a China "um parceiro negocial, um concorrente económico e um rival sistémico". O que ficou por perceber foi como se resolveria essa difícil equação. Sobretudo, como era possível, e se era positivo, manter uma relação de enorme interdependência com um competidor na economia que é, ao mesmo tempo, um rival na ordem internacional.

Desde então, a União Europeia começou a falar de autonomia estratégica (originalmente tanto em relação à China como aos Estados Unidos), de reindustrialização e, sobretudo com a pandemia, da alteração das cadeias de produção, para depender menos do resto do mundo, em geral, e da China em particular.

Tudo isto se compreende e tem um contexto. Mas levanta uma dúvida óbvia. Muito (imenso) do que o Ocidente consome, veste, utiliza, vem da China, produzido por empresas ocidentais ou não. E para algumas empresas ocidentais, a China é o mercado mais importante. De longe. E o Ocidente e a China competem por matérias primas em todo o mundo, e especialmente em África.

Imaginando que a rivalidade sistémica assume alguma forma de confronto (não precisa de ser militar), como é que ficam a competição e interdependência económicas? Ou, imagine-se que os consumidores ocidentais se escandalizam com os lucros obtidos num país campeão das violações dos Direitos Humanos.

A globalização tirou milhões da pobreza, permitiu a milhões acederem a bens que antes não tinham, e contribuiu para um mundo mais interdependente. Não foi só na China, ou na Ásia. Foi, precisamente, global. Mas não acabou com a História. O Nord Stream é o retrato do nosso calcanhar de Aquiles com a Rússia. Mas também há um China Stream. E não parece que saibamos como o resolver sem desfazer o mundo em que vivemos, com todo o risco de retrocessos e pobreza que isso implica. E o regime chinês sabe isso.


Consultor em assuntos europeus

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