Chapelada eleitoral e violência de Estado em Moçambique
Na descolonização, Portugal entregou o poder a [apenas] um dos movimentos de libertação em cada país ex-colónia; em Moçambique, entregou o poder à Frelimo em 1974-75 (Acordos de Lusaka). No 50.º aniversário da independência de Moçambique, apesar de uma população em forte crescimento (35 milhões de habitantes, que deverão ultrapassar os 100 milhões em 2078) e da abundância de recursos naturais, incluindo energéticos, o país é um dos menos desenvolvidos e mais pobres do mundo, com um PIB per capita de apenas 608 euros (Banco Mundial - BM).
De acordo com dados do BM, 74% da população vive com um rendimento abaixo do rácio de pobreza de 2,15 dólares por dia (PPC 2017) e depende de subsídios agrícolas. A esperança de vida é de 60 anos e o Índice de Capital Humano (HCI) é de apenas 0,3621. Apenas 33% da população tem acesso a eletricidade e 21% acesso à internet, não havendo dados sobre o acesso a serviços de saúde de qualidade, que é medíocre, em especial nas zonas mais pobres (interior, centro e norte).
Durante muito tempo, as culpas pela situação no país recaíam sobre a colonização portuguesa e a guerra civil com a Renamo. A guerra civil terminou em 1992, com a assinatura dos acordos de paz em Roma e, não obstante a forte ajuda internacional, até hoje a situação do país não melhorou. Para os serventuários do regime, a colonização tem as costas largas e culpa infindável, aparentemente perpétua, pela pobreza do povo moçambicano. Em 50 anos, ocorreu em Moçambique o mesmo que em muitos países da África subsaariana – a apropriação do aparelho estatal por elites políticas predatórias, que utilizam o poder para benefício próprio. As eleições que se realizaram em 9 de outubro de 2024 “foram marcadas por suspeitas de irregularidades que colocam em causa a sua legitimidade e transparência, tendo-se seguido legítimos protestos pacíficos que foram alvo de crescente e violenta repressão pelas autoridades”, como bem se escreve numa resolução recentemente aprovada pelo Parlamento Português, na qual também se afirma que o período pós-eleitoral ficou marcado “por uma intensificação alarmante da repressão política e da violência de Estado”. “Dezenas de cidadãos foram mortos, centenas ficaram feridos e milhares foram detidos arbitrariamente”, mostrando que a Frelimo e os seus responsáveis tudo fazem e farão para se manter no poder.
A posição do governo (e do PR) português é difícil. Porém, a proteção dos interesses portugueses em Moçambique não aconselha que os órgãos de soberania de Portugal pratiquem atos que contribuam para legitimar uma manifesta chapelada eleitoral por parte de quem reiteradamente tem demonstrado ser inepto para cuidar do interesse público e do bem-estar da população de Moçambique e não hesita em abusar da repressão policial e da violência de Estado para se perpetuar no poder.
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