Ceuta: novo surto migratório a nado
Durante o passado fim-de-semana Ceuta assistiu a novo surto migratório vindo de Marrocos, mas desta vez não se viram as habituais centenas de subsarianos em tronco nu pendurados na vedação que separa o enclave espanhol do reino cherifiano. Desta vez foram "apenas" 130, sendo todos marroquinos à excepção de um sudanês e foram... a nado!
Um número muito escasso, que talvez nem chegue à dezena, conseguiu completar a travessia e escapar às autoridades espanholas. Os restantes ou voltaram para trás exaustos ou foram resgatados ainda no mar ou detidos já em terra. Todos, naturalmente, com hipotermia. Há a registar um morto neste surto nadador.
Refiro-me a este episódio como surto e não como vaga, já que este se trata de um "fenómeno" cíclico e em tudo dependente dos humores diplomáticos marroquinos face a espanhóis ou à União Europeia na generalidade.
Desta feita, o que motiva mais um surto episódico o qual as autoridades marroquinas não se esforçaram por estancar, já que decorreu em plena luz do dia, como muitos anteriores, e os 130 nadadores foram-se fazendo à água em grupos faseados e não de uma só vez. O motivo, dizia, prende-se uma vez mais com a questão sarauí, a guerra em curso e o detalhe de os espanhóis terem aceitado receber num hospital local o líder da Polisário, Brahim Ghali, provavelmente infectado com covid e também a braços com um cancro, que se suspeita no estômago, a mesma doença que vitimou o seu antecessor, Mohammed Abdelaziz.
Esta deslocalização do líder sarauí da frente de batalha para Espanha também agrava o clima de tensão entre Marrocos e Argélia, já que várias fontes nestes dois países vizinhos mencionam a intervenção do governo argelino no contacto efectuado com as autoridades espanholas na solicitação do internamento e autorização do voo necessário, sob motivo de razões humanitárias. Brahim Ghali terá sido admitido no país vizinho (de Portugal) e no hospital, sob nome falso. Mais, desde 2008 que este líder sarauí tem uma espada de Dâmocles sobre o seu pescoço, já que vítimas e membros da Associação Sarauí dos Direitos do Homem apresentaram num tribunal espanhol várias queixas por crimes de assassinato, agressão, detenção ilegal, terrorismo, tortura e desaparecimentos, contra 25 membros da Frente Polisário e três oficiais do Exército argelino. O agora líder desta frente independentista será um dos 25 acusados, já que à data da deposição das referidas queixas era o "Delegado Polisário" em Espanha, antes de rumar à Argélia para liderar a Embaixada da República Árabe Sarauí em Argel, verdadeira sede do governo sarauí oficioso.
Penso, assim, ter deixado claro a complexidade inerente à questão das migrações e da questão sarauí, cujos adeptos mais ferrenhos abordam geralmente na lógica do Benfica-Sporting, quando na realidade não há inocentes e a razão, muito dificilmente assistirá unicamente a uma das partes.
Politólogo/arabista
www.maghreb-machrek.pt
Escreve de acordo com a antiga ortografia