Catástrofe Bolsonaro

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O presidente Lula da Silva foi leniente ao lidar com os envolvidos no escandaloso Mensalão, no seu primeiro governo. E o sucesso dos programas sociais que desenvolveu deveu-se ao trabalho de casa feito pelo antecessor, Fernando Henrique Cardoso (FHC), e não ao seu mérito particular. Estes eram os principais argumentos de Geraldo Alckmin, candidato pelo PSDB, contra Lula, do PT, nos debates da campanha, dura e agressiva, de 2006.

Alckmin demoniza o Bolsa Família e outros programas sociais que tiraram milhões de brasileiros da miséria porque só se preocupa em agradar aos patrões. No governo do seu correligionário FHC, a ordem foi privatizar sem necessidade e a preço de banana. E não fosse a Procuradoria-Geral da República estar nas mãos de um aliado, escândalos do tipo do Mensalão teriam vindo a público. Eis as respostas de Lula nos ferozes frente-a-frente com Alckmin daquele ano.

Em 2006, uma aliança entre os dois soaria tão provável como Trotsky aceitar ser vice de Estaline, como Lobo Antunes prefaciar um livro de Saramago, como fundir Fla e Flu num só clube. E, no entanto, 16 anos depois, um, Alckmin, de saída do PSDB, pode ser vice-presidente do outro, Lula, ainda a referência do PT. "Temos relação de muito respeito", disse o "petista". "Ele tem compromisso com a democracia", respondeu o ainda "tucano".

Quem foi capaz de um prodígio destes? The one and only Jair Bolsonaro.

Bolsonaro conseguiu ainda que Miguel Reale Júnior, o autor do texto do impeachment de Dilma Rousseff, o alcunhasse de BolsoNero e suspirasse por ela. E que o Movimento Brasil Livre, grupo de meninos de classe média que organizou as manifestações pela queda de Dilma e a favor da "luta contra a corrupção do PT", agora chame o partido para participar dos seus protestos contra o atual presidente.

Fez que o colunista conservador Reinaldo Azevedo, autor da expressão "petralhas", uma mistura de "petista" com Irmãos Metralha, os bandidos dos livros da Disney, convidasse Lula para uma entrevista laudatória, e levou o deputado Alexandre Frota a admitir votar no antigo sindicalista depois de perceber que os métodos da família Bolsonaro, que defendia com tanto ardor, são pornográficos de mais até para os padrões dele.

Um estudo dos psicólogos alemães Markus Heinrich e Bernardette von Dawans colocou um grupo de pessoas sob teste de stress - precisavam de falar em público - e um outro grupo numa situação cómoda. Notou que no primeiro os testados tenderam a colaborar e confiar mais uns com os outros do que no segundo. De acordo com pesquisa da especialista em conexões sociais Brene Brown, da Universidade de Houston, a sensação de vulnerabilidade é condição central para o indivíduo estabelecer relações com os outros.

Os dois estudos explicam porque a população se une com mais facilidade em situação de guerra do que de paz. Por que no 11 de Setembro de 2001 os nova-iorquinos saíram à rua para se apoiarem, independentemente de origem, cor, classe social. Porque durante a devastação gerada pelo furacão Harvey de 2017 tantos texanos mergulharam para salvar conterrâneos sem lhes perguntar em quem votaram, se são ou não a favor do casamento homossexual ou da legalização do aborto, que religião professam.

O ser humano esquece as diferenças e une-se, em nome da sobrevivência, perante catástrofes como um furacão, um atentado, uma guerra. Ou um governo Bolsonaro.

Jornalista, correspondente em São Paulo

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