Caos na saúde: do sofá às Urgências

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Portugal é o país da União Europeia onde 72% da população não pratica sequer uma atividade física semanal, segundo o Eurostat. Tem também números crescentes de obesidade, sobretudo graves acima dos 65 anos - nesta faixa, quase nenhum exercício físico acontece. A consequência de sobrecarga do sistema está à vista. Haverá algum Serviço Nacional de Saúde capaz de resistir a esta bola de neve?

E, apesar de tudo, a situação não é pior porque, em paralelo, estudos da OCDE indicam que Portugal está no topo dos países da Europa que evita mais mortes precoces pela eficácia da rede de Cuidados Primários.

O contacto com a população, através dos médicos de família, promove um mecanismo de rastreios que evita uma enorme quantidade de mortes prematuras (estatisticamente detetáveis por comparação com outros países onde a mesma percentagem de morbilidades gera maior mortalidade).

Ora, foi sobre ela que esteve a trabalhar incessantemente o novo diretor-executivo do SNS, Fernando Araújo. Mas Fernando Araújo e a nova ministra da Saúde, Ana Paula Martins, ficaram em rota de colisão há poucos meses, quando esta se demitiu da liderança do Hospital de Santa Maria (onde Araújo a tinha colocado). É de temer o pior nesta guerra de barricadas, fazendo-nos voltar sempre ao princípio.

Por outro lado, o perfil de problemas de saúde não tem mudado significativamente. Portugal nunca deixou de ter como principal causa de morte as doenças do aparelho circulatório, sejam os Acidentes Vasculares Cerebrais, sejam os enfartes. Já era assim antes do 25 de Abril (com taxas quase de 40% na década de 70), mas hoje ainda representam mais de 25% dos óbitos.

Vale a pena perguntar: as esmagadoras campanhas de fast-food, num país de baixos rendimentos, não deviam ter limites? A obesidade e a diabetes são a praga do século. O tratamento da diabetes é o mais caro de manter pelo SNS. Não conseguimos evitar tanto aliciamento por alimentos com demasiada gordura saturada e açúcar?

Por outro lado, a propagação do cancro é uma circunstância inevitável, tantas são as fontes cancerígenas no meio ambiente e alimentos. Acrescem a estes o tabaco, mas também o álcool. E, se é verdade que o cancro não parece ter solução à vista - ainda recentemente vimos a exigência dos agricultores para não serem tomadas medidas de restrições a agrotóxicos -, já no tabaco e álcool o consumo baixou em geral, mas cresceu nas gerações mais jovens, o que não deixa de ser um sinal de alarme.

Sabemos também que a solução para muitos destes problemas passa por ter recursos humanos qualificados. Mas perdemos uma enorme oportunidade. Nos últimos 25 anos, o número de alunos nas áreas da Saúde (médicos, enfermeiros e outros cursos relacionados) cresceu 474% - números Pordata -, contra uma média pouco acima dos 110% nas restantes áreas dominantes, como engenharias e tecnologias de informação.

Só que Portugal exportou uma enorme quantidade de pessoas formadas nesta área porque os salários no exterior facilmente triplicam face à média portuguesa. E pior: face a um sistema caótico, ninguém quer passar a vida ao serviço de um SNS disfuncional ou de uma medicina privada obsessivamente focada na rentabilidade.

Sem ultrapassarmos o dilema de investimento nos recursos humanos e sem mais meios para a prevenção, continuamos sem rumo e a permitir o caos na zona de embate do sistema: as Urgências. Que nunca aguentarão. Ora, por algum lado temos de começar. Vamos, para já, ao mais barato: conseguimos tirar os portugueses do sofá?

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