Caminhos da Coesão Europeia: Reformar ou redistribuir?
A Comissão Europeia encontra-se, mais uma vez, diante de uma encruzilhada que definirá o futuro da integração europeia: como estruturar a política de coesão no próximo Quadro Financeiro Plurianual (QFP) 2028-2034. A questão não é técnica, é profundamente política. E a escolha entre manter a abordagem tradicional - centrada na correção das assimetrias regionais - ou adotar um modelo mais orientado para objetivos e reformas, à imagem do que foi o e diz que (Plano de Recuperação e Resiliência), é reveladora das tensões internas da União.
Durante décadas, os fundos de coesão foram o cimento da solidariedade europeia. Os países mais pobres viram nas transferências estruturais uma alavanca para o investimento público, para a melhoria das infraestruturas, para a criação de emprego e, sobretudo, para a tentativa de convergência real entre regiões. Esta política assentava num princípio simples, mas poderoso: os fundos vão para onde há mais carências. É o modelo redistributivo clássico - e, até certo ponto, o mais tangível para os cidadãos.
Mas os ventos mudaram. A pandemia trouxe consigo o PRR, um novo paradigma de financiamento europeu que não se baseia em carências territoriais, mas sim em metas, reformas e investimentos transformadores. A lógica é a meritocrática: recebe quem propõe reformas alinhadas com as prioridades europeias - como a transição digital, a descarbonização, a inovação - e quem tem capacidade para as implementar.
Neste novo desenho, o risco de uma Europa a duas velocidades é real. Porque se, no papel, o PRR promove a modernização e a resiliência, na prática pode exacerbar desigualdades. Os países mais ricos estarão mais bem posicionados para apresentar projetos sólidos e cumprir cronogramas e metas. Os outros ficarão para trás - não por falta de vontade, mas por défice estrutural. A ironia? É precisamente nesses territórios que a política de coesão deveria incidir com maior impacto.
Há, pois, um dilema de fundo: queremos uma Europa que financia resultados ou uma Europa que combate desigualdades? Queremos premiar o desempenho ou garantir que ninguém é deixado para trás? A resposta certa não está numa escolha binária, mas num equilíbrio inteligente entre ambas as abordagens.
O futuro da política de coesão não deve abdicar da sua vocação solidária, mas também não pode ignorar a necessidade de reformas e de resultados mensuráveis. Talvez a resposta esteja num modelo híbrido: manter a lógica de redistribuição territorial - com mapas de carências e critérios de elegibilidade baseados no PIB per capita -, mas exigindo maior compromisso com reformas estruturais, com transparência e com resultados de dimensão nacional.
Portugal, como país historicamente beneficiário da política de coesão, deve estar atento e ativo neste debate. Não para reclamar fundos por direito adquirido, mas para defender um modelo que una a solidariedade à responsabilidade.
Professor catedrático