Cada um sente à sua maneira

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A recente e trágica perda de Diogo Jota e André Silva, irmãos, vítimas de um acidente de viação, bem como alguns comentários críticos sobre a ausência de Cristiano Ronaldo nas cerimónias fúnebres, exige alguma reflexão sobre as múltiplas formas como se vive a morte e como se expressa aquilo que se sente. Sendo certo que não existem receitas universais e que cada um sente a perda à sua maneira.

A morte faz parte da vida e, não obstante as crenças pessoais e/ou religiosas de cada pessoa, carrega consigo a sensação de perda e de vazio, aliada ao sentimento de injustiça. Face à perda de um ente querido são muito frequentes emoções diversas, como a tristeza, a raiva, a ansiedade, a angústia, a culpa, as saudades… o luto é um processo que envolve diferentes momentos, nem sempre lineares, podendo existir avanços e recuos. Podemos mesmo dizer que o processo de luto tem um inicio, mas nem sempre conseguimos identificar o seu fim.

Quando a morte ocorre de forma súbita e inesperada (e não algo que é esperado, fruto de doença prolongada ou de idade avançada), a reação de choque e a sensação de injustiça tendem a ser potenciadas. Ao mesmo tempo, quando ocorre numa pessoa jovem - neste caso, em duas, e em simultâneo -, a dificuldade em lidar com a situação pode ser mesmo muito significativa. Esta situação pode ser concetualizada como uma experiência potencialmente traumática, que requer uma intervenção especializada.

Os rituais associados à morte podem ser facilitadores do processo de luto, é verdade, mas tal também depende da forma como cada pessoa os experiencia. O que significa que, para algumas pessoas, estar presente nesses momentos é muito importante enquanto, para outras, pode ser algo devastador.

Da mesma forma, há pessoas que, numa cerimónia fúnebre, choram e gritam. Outras permanecem apáticas. E há ainda quem tenha ataques de riso, fruto da ansiedade que acaba por expressar-se dessa forma.

Devemos, por isso, abolir as criticas e os juízos de valor, seja porque alguém esteve presente e não chorou, seja porque alguém simplesmente decidiu não comparecer. A dor não se avalia pela cor da roupa que se usa, pela quantidade de lágrimas que se vertem ou pela presença ou ausência física em determinados momentos.

Cada um sente à sua maneira.

Psicóloga clínica e forense, terapeuta familiar e de casal

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